Pipoca e Picolé

Nós, pessoas comuns do povo podemos desfrutar, em nossa humilde transparência, os prazeres todos da vida.

Podemos, escondidos na multidão, mascar quantos grãos de pipoca nossa consciência permitir, e para isso nem cobramos nada, fazemo-lo gratuitamente, anonimamente, gostosamente, ainda que com certa culpa (recado para nós, os mais gordinhos).

Quando colocamos o milho na panela temos prazer de escutar o espocar dos grãos, tímidos no começo, valentes, unidos no final.

Particularmente eu gosto dos grãozinhos que não nasceram para estourar. Queimam e não viram pipoca. Alguns chegam até a ensaiar um estouro, mas a explosão não chega, relegando-o para o fim da degustação. Para mim são os mais saborosos, os que chamamos piruás.

Quando vou a algum estádio ver algum jogo gosto de comprar pipocas e, oculto pelo anonimato, come-las sem que ninguém perceba, apenas o vendedor, meu cúmplice e meus botões. Todos guardamos o segredo.

Depois, e sempre há um depois, sempre compro um picolé. De preferência de limão, pois diminui o arrependimento pelo lanche calórico, já que, dizem, o limão dissolve a gordura.

Acho que não procede, mas prefiro acreditar na mentira do que doer na consciência.

Tomo um, dois picolés, geladinhos, refrescantes. Isso é tão bom que até esqueço do jogo que, a esta altura deve estar no finalzinho.

Mas qual o mal? Sou anônimo. Sou ninguém na multidão.

Outro dia vi um certo craque, conhecido pelo excessivo peso, no estádio, comendo pipoca e depois chupando picolé. Adivinhei que o sabor devia ser limão.

Ele pode. É conhecido, famoso, talentoso, e acaba de fazer lipoaspiração.

Desviei os olhos para ele não perceber que eu estava olhando.

Tomei outro picolé e decidi: quando atingir o peso dele vou me candidatar a jogador famoso de futebol...

Só preciso aprender a jogar bola.

Almir Ramos da Silva
Enviado por Almir Ramos da Silva em 18/08/2009
Código do texto: T1760213
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