Rodovia transamazônica - O início (Histórias da minha infância - V)

Lembro que eu tinha 10 anos quando a minha família foi à inauguração do Marco que daria início à Rodovia Transamazônica, no estado do Pará. Era um dia de muito calor, desde cedo, aviões da FAB sobrevoavam a cidade, creio que boa parte da população compareceu ao evento que ficaria na história. Era o ano de 1972, mês de setembro, e nesse mês, eu minhas irmãs ganhamos roupas novas para assistir ao desfile de 7 de setembro, as mesmas seriam usadas para ir à inauguração da estrada. Meus pais nos acordaram cedinho, nos alimentaram e depois de colocarmos as roupas e sapatos novos, fomos pegar o caminhão “pau de arara” que nos levaria até o quilômetro 18 no sentido Altamira X Marabá, onde a placa de inauguração seria descerrada. Todos queriam ver o então Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici puxar o pano de sobre o tronco da Castanheira que cortaram e incrustaram a placa onde iniciaria a rodovia. Eu queria mesmo era ver o movimento de gente diferente, olhar as pessoas bem vestidas, com seus trajes elegantes, os convidados de honra que estariam ali, os militares com as suas fardas da cor da floresta, marchando na terra empoeirada, (já que à época, nem se falava em asfalto) fazendo continência, obedecendo a diversos comandos, meu coração disparava só em pensar nisso. Subimos no caminhão lotado, o prefeito colocou à disposição da população alguns veículos, imaginem a loucura, era gente “espremida” por todo lugar. Meus sapatos estavam apertando os dedos (ficaram todos dormentes), mas de cima daquele caminhão eu só desceria no “Pau do Presidente”. Como é conhecido até hoje o Marco inaugural.

Chegamos, e, de longe avistamos uma multidão, mas o presidente e sua comitiva ainda não havia chegado. Foram colocadas cordas para evitar que o povo invadisse a “passarela”, meus pais ficaram em um lugar tão distante...eu estava inquieta, como iria ver as pessoas da capital e dos outros lugares que acompanhavam o presidente? Falei à minha mãe para a gente ir se esgueirando em busca de um lugar mais próximo, ela disse: - Não, tem gente demais e a poeira está grande. Fiz uma carinha triste mas pensei logo em uma solução. Pedi para fazer xixi na hora em que as pessoas gritavam:- Lá vem o presidente! lá vem o presidente! Minha mãe deixou com a condição de que eu voltasse logo, era o que eu esperava, me meti no meio da multidão. Como era pequena, as pessoas me deixavam passar, eu era educada e falava por favor, quando dei por mim, estava segurando a corda, dali ninguém me tiraria, eu ia ver o presidente de perto. De repente, ouvi o toque de trombetas, e depois, vários instrumentos estavam sendo tocados, era a banda chegando. Vi os soldados da guarda presidencial se preparando para hastear a bandeira do Brasil (quanta emoção). E de repente, fogos, gritos e palmas, o presidente chegara enfim. Foi um empurra-empurra mas não larguei a corda. Fiquei olhando todas aquelas pessoas elegantes, o presidente passou bem pertinho de mim, olhar altivo, olhos da “cor do céu”, sem sorrir, mas muito ereto, Marchou até o tronco da árvore, e, postou-se em posição de reverência (a Bandeira do Brasil ia ser hasteada). Todos começaram a cantar o Hino Nacional, eu também cantava, segurava a corda com uma mão e com a outra em cima do peito em respeito à pátria. Depois, as pessoas importantes falaram, o presidente falou por último e descerrou a placa, agradeceu e a cerimônia acabou. Sai correndo em meio a poeira para procurar os meus pais, minha mãe já havia pedido para alguns conhecidos ajudarem a me encontrar, já que teríamos que voltar no caminhão lotado de novo, mas eu a vi de longe e ela aflita perguntou o que havia acontecido, porque eu custara tanto, disse que eu havia ido olhar o presidente de perto porque eu queria ver tudo, ela me deu uma bronca mas no final entendeu. Fomos para casa felizes e famintos, o sol quente estava dando uma fome...

Obs:

36 anos depois da inauguração, a Rodovia Transamazônica continua mal acabada, um esboço do que deveria ser uma estrada de rodagem. Trás em seu rastro, pela falta de planejamento e atenção, uma história de subsenvolvimento. Ainda no mês passado, viajei de Belém para Altamira, em um ônibus da Viação Transbrasiliana, um sofrimento só! 24 horas em uma estrada de poeira, buracos e abandono. Pelo caminho, me depararei com os colonos, moradores de agrovilas que margeiam a estrada, tinham os rostos tristes e abatidos, o tal progresso (ainda) não chegou até eles.

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" Como será o futuro do nosso País?

Surge a pergunta no olhar e na alma do povo..."

(Prá cima, Brasil - João Alexandre)

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"...Em caras de presidente,

Em grandes beijos de amor,

Em dentes, pernas, bandeiras,

Bomba e Brigitte Bardot."

(Alegria, alegria - Caetano Veloso)