Lembrança

Aprisionado a condições físicas que limitam a alma, eu desfruto a bela manhã de quinta-feira que me é dada de bom grado pelo que julgo ser, um pedido atendido meu, pelo "Deus" ao qual rogo e agradeço minhas conquistas de vez em quando. Ela é feita de nuvens a acobertar a luz do Sol, com leve vento frio a explorar as frestas de minhas vestimentas, que faz com que meu corpo se contraia ao seu gélido toque. Mas por dentro me sinto aquecido. Com os olhos a pegarem fogo ao ser tomado pela lembrança daquele beijo eternizado por mim e ti naquela manhã de inverno. Ponho a pena e o papel a frente, para transfigurar tudo isto que sinto em rabisco, mas não consigo. Sequer sai uma frase daquela dia que atormenta como um fantasma em meus pensamentos. As vezes a sinto tão real, tão próxima como o dia de ontem. É como se sentisse suas lágrimas lavando meu rosto e me curando da sombra que resisti a ficar em meu rosto. São as primeiras gotas da chuva.

Eu vou te amar após a "travessia", mas eu lhe tenho mais cara por agora.

Quando você vier ao meu encontro é possível que eu não esteja lá. Apenas o que terá será uma lembrança, um rastro de algo que esteve ali. Uma sombra disforme onde mais nada restou.

Cuidadosamente eu guardei o que sobrou em uma semente que achei no bolso da minha calça. Não sei o que ela fazia ali, mas serviu como abrigo para as coisas que eu temia perder. Eu olho para minhas mãos e ainda as percebo com terra entre as unhas, quando cavei um pequenino buraco e coloquei gentilmente aquela semente. Talvez um dia ela cescerá, talvez aquela terra seja infértil. Não sei. Apenas quis que esta última e adorável reminiscência não fosse devorada pelo tempo em meu coração. Mas isto também não significa que queira ela para sempre eu meu peito.