Futebol e Nostalgia

" Meus amigos!". Era assim que João Saldanha iniciava suas considerações à cerca do que se passara dentro das quatro linhas. Dono de uma lucidez cristalina, Saldanha seguia à risca o clássico " a César o que é de César". Ao contrário do que temos hoje, ele era objetivo sem ser idiota. Não dourava pílulas, por exemplo, livrando a cara desse ou daquele jogador. Se o cara era ruim, era um perna-de-pau e pronto, assunto encerrado. Detestava os jogadores de carrinho, recurso utilizado para quebrar a perna dos craques adversários. Amava o futebol elegante, plástico, capaz de transformar uma partida num momento de rara beleza. Indignava-se com os boatos de resultados arranjados por uma máfia que incluia jogadores e juízes medíocres de índole duvidosa.

Botafoguense roxo, reza a lenda que Saldanha teria invadido General Severiano com uma arma em punho para acertar contas com o goleiro Manga que teria tomado uns franguinhos por conta, dizem as más línguas, de um resultado arranjado. Não lembro se essa história chegou a ser esclarecida.

Saldanha tinha faro. Quando deixou a seleção de 70 de bandeja para o Zagallo - pois não admitiu a ingerência do Carrasco Médici em seu escrete - , ele já sabia que ganharíamos a Copa. E foi fazer o que sabia: comentar as partidas de futebol como já não se vê.

Hoje, o pereba não é pereba: falta-lhe ritmo de jogo ou não está sendo utilizado pelo técnico em sua verdadeira posição. Na pior das hipóteses ( ou seria melhor? ), atravessa uma má fase. Saldanha riria às pamparras. Alguém viu o Jairzinho jogando de ponta direita no Botafogo? O Tostão nunca foi o centroavante matador com cara de Charles Bronson no Cruzeiro. E o Piaza? Era por acaso o quarto-zagueiro do clube mineiro? Também não lembro de ver o Rivelino dando uma de ponta esquerda no Corínthias. Simples: para Saldanha não havia posição de ofício, ou seja, jogam os melhores com outros melhores no banco para desespero dos adversários.

Do atual plantel canarinho, nenhum - mas nenhum mesmo - seria o reserva do reserva de um dos iluminados titulares de 70.

Os idiotas da objetividade - essa expressão rodrigueana que é um verdadeiro achado da crônica esportiva brasileira - dirão que os tempos são outros e que sou um saudosista. Mas isso - dá-lhe Nélson - é o óbvio ululante. Estamos num tempo novo de penúria e mediocridades de chuteiras. Quanto ao saudosismo, que bom as minhas crises de nostalgia!

Gosto de contrapor os toques para o lado de um aparvalhado Gilberto Silva e Cia, aos passos do Gérson feitos do meio do campo para o peito cuidadoso de Pelé dentro da grande área adversária para, ainda no ar, trocar de perna para balanças as redes da seleção azurra.

Nos dias de hoje, o craque não saberia fazer esse manejo sem tropeçar em si mesmo e, muito provavelmente quase certeza, jogaria a bola na arquibancada. O Galvão Bueno lamentaria a chance perdida, dizendo que a bola caíra na perna que não era a boa. Mas estou dizendo bobagem. Quem disse que algum jogador perambulando pelo meio de campo acertaria esse passe, não é mesmo canhotinha de ouro?

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 22/08/2009
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