QUASE AO FINAL DO VERÃO

Ele foi embora quase ao final do verão. A história havia sido apagada dos sites, dos computadores, das fotografias nas carteiras. Havia apenas uma parede envelhecida, amarelada e quase sem cor. Ele não sabe onde foi parar aquela fotografia em grafite que ganharam de uma amiga. Mas sabe muito bem onde foi parar o amor que sentiam. O tempo havia varrido as esperanças, os sonhos, os lugares, as poesias de segunda-feira. Naquela tarde tudo estava seco e sem vida. As folhas queimadas de Bordo Vermelho* já rodopiavam pelas ruas quase tranquilas, embora as férias já estivessem no fim para a maioria das pessoas. Era o outono que se apresentava e com ele chegava a cadeira vazia, a cama desfeita apenas de um lado e o guarda-roupas com imenso espaço.

Nas poucas horas que passou a fazer as malas tudo pareceu levar sua vida inteira. Escolheu um momento onde não haveria quase ninguém à casa. Olhou cada canto do quarto, para cada pedaço da história que construíram. Levantar-se da cama para agarrar na alça da pequena mala levou terríveis 30 minutos. Queria chorar, mas havia desaprendido. Queria gritar, mas não havia forças. Tinha guardado tudo para quando estivesse sozinho em definitivo. O telemóvel tocou várias vezes e ele não atendeu. Depois percebereria que nenhuma das chamadas era a que esperava. Naquele quarto de parede amarela e nua perdeu as contas das vezes que rezou pela paz e pelo amor verdadeiro. Talvez tenha chorado mais uma vez, mesmo sem perceber.

Juntos, passaram os últimos meses a se desprender lentamente, aos poucos, calmamente. Diferente do início de tudo, tão rápido, tão intenso às vezes. De um dia para o outro passaram a viver juntos. Enfrentaram a preocupação dos amigos e a incompreensão da família, mas estavam decididos, pois naquela altura não conseguiam estar separados, fruto da inexplicável batida descompassada do coração.

Mas o tempo arrefeceu tudo ao redor. A mudança de país, os novos ares, a busca pelos sonhos. Tudo parecia diferente e o amor parecia ter chegado ao fim. Eles demoraram pra entender que já não havia mais forma de amor. Não houve briga, não houve rancor. O desapego foi factor predominante.

Ao sair, deixou no canto da mesa a chave da porta, uma fotografia 3×4 que guardava no passaporte, rascunhos de poesias nunca publicadas e um pedaço de si mesmo. O caminho até o carro foi longo, ácido, escuro. Era dia, não sabia as horas, mas ele quase não enxergava o que estava ao seu redor. Sentado na poltrona, tomou o volante às mãos e rezou sozinho outra vez. Sabia que tinham sido os melhores anos da sua vida.

Agora cada um segue seu próprio caminho. Ainda que se olhem com carinho e afecto, o tempo será senhor do esquecimento. A missão fora cumprida. Os olhos que um dia namoraram, agora esperam a continuidade da vida. Novos amigos, novos amores, novas histórias pra contar. A vida os deu de presente as lembranças que um dia serão esquecidas. E num quase final de verão de qualquer ano, quem sabe possam se olhar mais uma vez.