INDIFERENÇA

Sentada no sofá de casa, calada, as mãos segurando firme a agulha e a linha de crochê, Amália já podia imaginar o que aconteceria dali a alguns instantes. Recostou-se confortavelmente no estofado a fim de diminuir a ansiedade, mas isto era quase impossível.

Antônio e Odete, bem à sua frente, começavam a trocar ofensas. Era de se esperar. Havia já algum tempo que o relacionamento não ia bem, e ambos não conseguiam mais conviver naquele desagradável mundo de mentiras e aparências. O tom de voz dele, agora elevando-se rapidamente, fazia com que Amália ficasse ainda mais tensa, embora preferisse permanecer ali, estática, as mãos sem desgrudar do novelo.

Antônio, cada vez mais irritado, pede com árida insistência para Odete lhe contar a verdade. Ele não aguenta mais aquela situação e ela, dissimulada, continua a repetir que nada tem a dizer sobre o assunto. Até que por impulso, ele a segura com força pelo braço, o olhar se enchendo de ira e na voz o tom de ódio e impaciência cada vez mais evidentes. Odete sente um frio na espinha, logo denunciado pelo semblante de pânico, e mal tem tempo de abrir a boca: Antônio a joga no chão, pega o revólver que escondia sob o paletó e dispara três tiros na direção da mulher, que cai ali mesmo, sem vida, o sangue a espalhar-se rapidamente pela sala.

Amália, que a tudo assistia sem esboçar nenhuma reação, agora solta a linha e a agulha sobre o vestido que lhe cobre as pernas envarizadas e pega com agilidade o controle da televisão. Mal podia saber o que aconteceria a Antônio agora, que era um criminoso. Mas isso, só no capítulo do dia seguinte. Melhor mudar de canal.

Beatriz Lopes
Enviado por Beatriz Lopes em 24/08/2009
Reeditado em 30/07/2010
Código do texto: T1771786