DOROTÉA

Certo dia fiz a aventura de ir à zona sul, bem depois de Santo Amaro, mais precisamente na Av. N. Sra. De Sabará, em uma transversal perto do Cemitério de Pedreiras, para visitar uma velha amiga.

Depois de uma viagem bem cansativa cheguei a casa dela já as 14:00 horas. Conversamos bastante, relembramos os velhos tempos em que nossos filhos eram crianças. Bons tempos aqueles, quando ainda tínhamos os filhos sob os nossos cuidados. Hoje é justamente o contrário. São eles que cuidam de nós. Deixemos de lado as divagações e vamos ao que realmente interessa. A viagem de volta para minha casa, na zona norte.

Após colocarmos em dia todas as “fofocas”, verifiquei que já eram quase 18 horas. Despedi-me e fui para o ponto de ônibus. Bendito ônibus que demorou quase meia hora para passar. Parou no ponto, abriu a porta meio enguiçada e ao subir percebi que os bancos destinados aos idosos estavam todos ocupados. Passei meu bilhete na catraca eletrônica e fui para trás, na esperança que alguém me cedesse um lugar para sentar. Já perto da porta traseira, um jovem gentilmente levantou-se e me ofereceu o lugar que logo aceitei e agradeci.

Segue o ônibus parando em todos os pontos, “como cavalo de bêbedo”, e mais gente embarcando. Trânsito lento, lentíssimo mesmo. Calor sufocante e as pessoas se espremendo no corredor estreito, esbarrando umas nas outras, fazendo malabarismo para não caírem.

Verifiquei que ao meu lado estava um senhor, carregando, com muito cuidado, um pacote meio incômodo de segurar naquele aperto. Ofereci-me para leva-lo. Como só me ocupava com a minha bolsa, acomodei o pacote no colo. Depois de algum tempo de viagem, senti que algo se mexia ali dentro. Achei estranho que se levasse empacotada alguma coisa viva. Olhei assustada para o cidadão, que baixando-se até perto de mim, falou num sussurro: “acho que o efeito do sedativo está passando e ela está querendo sair”. Ela quem? – perguntei aflita, ao que ele respondeu: a Dorotéa, a minha cobra predileta.”

Levantei-me de um pulo, joguei o pacote em cima dele, que não o segurou e foi parar no cão, abrindo-se. Vi então uma cabeça enorme de cobra saindo e assustada gritei: “uma cobra!” (vale aqui este parêntese: tenho verdadeiro pavor de cobras). Como que impulsionados por uma mola, os demais passageiros levantaram-se, subiram nos bancos, os que estavam de pé se espremiam para a frente e para trás do corredor e foi uma gritaria e um pânico geral.

O motorista apavorado perguntou o que estava acontecendo e todos gritaram em uníssono: “uma cobra, uma cobra...”

Abriram-se as portas e todos desceram em debandada. O jovem que havia me cedido o lugar me segurou pelos ombros, evitando que eu me machucasse e me colocou fora do ônibus.

Dois policiais que estavam na calçada entraram, de armas em punho, pela porta dianteira, julgando se tratar de assalto, ou coisa que o valha.

Corri para a frente, fiz sinal para um táxi que passava. Abri a porta e disse para o motorista: “zona norte, Santana”. Ele deu a partida, me olhou pelo espelho e observou: “Senhora, está passando mal?”. Respondi: “uma cobra”. Ele freou o carro abruptamente e já ia sair quando pude dizer: “no ônibus”. Fechou a porta e continuou a viagem, me ofereceu água mineral que trazia no porta luvas, para que eu me acalmasse.

Assim que me senti segura relatei o ocorrido e ele curioso perguntou: “e o homem da cobra?”.

Respondi: “sei lá, não fiquei para saber o que aconteceria com ele e a sua Dorotéa!”.

Lucilia Cavalcanti
Enviado por Lucilia Cavalcanti em 28/08/2009
Código do texto: T1780032
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