O “GRAVATÁ” SOZINHO NÃO FAZ VERÃO

Osvaldo André de Mello*

I

A propósito da Conferência Municipal de Cultura, que discute o tema central: “Culturas em rede: a gestão compartilhada de políticas públicas de cultura”, de 25 a 28 de maio, no Teatro Municipal Usina Gravatá, desejamos contribuir com estas reflexões.

Interessa menos ao povo compartilhar a gestão de políticas públicas do que compartilhar a produção e o consumo de bens culturais, sejam eles quais forem. Parece-nos uma dedução coerente com a importância concedida à presença de especialistas, nas equipes de trabalho da administração pública.

Cada política pública de cultura carrega as suas especificidades, porque se destina a uma determinada comunidade e porque há um consenso de competências entre os governos federal, estadual e municipal. As leis de incentivo à cultura refletem isso.

Entretanto, é possível e viável que alguns programas da gestão pública se processem em rede, a exemplo de “Pontos de Cultura” e de outras iniciativas que visem interiorizar a produção e o consumo de cultura, o que as grandes metrópoles polarizam.

Convidar o povo para compartilhar a gestão significa formar uma equipe heterogênea: com especialistas e com a ignorância de leigos participativos.

Os ministros e secretários de estado, resolvido o loteamento de cargos de confiança, são escolhidos pela especialidade ou pela capacidade de compreenderem a gestão da pasta: o conhecimento da matéria em si e das leis que a regem, a situação e a demanda de equipamentos; a realidade do povo: o que tem, a que aspira e não tem... etc. Saber escutar seria o mesmo que dispor de sensibilidade para auscultar as necessidades do povo. E consultar o banco de dados da pasta. Daí, a seguir, os gestores, ministros e secretários de estado, apresentam um plano de trabalho. Ato contínuo, a ação, a continuidade dos programas em movimento, a correção de processos e resultados indesejáveis, e as novas propostas.

Assim é, também, no município. Ou deveria ser.

Enquanto os ministros e secretários de estado mobilizam especialistas para a formação de suas equipes, garantia de sucesso e de efetividade na administração pública, nos municípios, em geral, o loteamento de cargos de confiança, obrigado por pactos políticos, leva também os secretários à formação de uma equipe de não-especialistas, muitas vezes não desejada por ele.

A população espera resultados, que efetivamente a incluam, de todas as secretarias que compartilham a gestão de um mesmo projeto administrativo, orientado por princípios ético-políticos, apresentado por um prefeito, já na sua própria campanha.

II

Nos tempos de Adélia Prado, à frente da Divisão Cultural da então SEMEC, naquela euforia de tombamento, muitas vezes, sem previsão de recursos para a aquisição do imóvel, como no caso do chamado Complexo Gravatá, foi cunhado o substantivo “casarão”, por causa de uma novela global ( que ironia! ) da época, para designar, indevidamente, o sobrado do Largo da Matriz, que, hoje, abriga o Museu Histórico de Divinópolis. Eu perguntei ao então prefeito, arquiteto D.r Aristides Salgado dos Santos, o que era afinal aquela edificação que se queria tombar: um “casarão’ ou um “sobrado”, como a ele o povo se refere desde que o mesmo existe? O prefeito ficou com o povo. O prefeito... A invencionice foi registrada.

Hoje, nos tempos de Bernardo Rodrigues, o Reinado de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito vem sendo chamado enfaticamente de “congado”. Em vista de haver alguns equívocos imperdoáveis, porque descaracterizadores, na própria manifestação ( ou seja, os manifestantes descuidam dos elementos da tradição, responsáveis pela força, prestígio e autenticidade do Reinado, e introduzem inovações impertinentes ), pede-se a restauração do termo próprio: “Reinado”. ( “Congado”, “congada”, isso é outra história... ) E porque o Reinado merece atenção especial, na proposta de ação do secretário Bernardo Rodrigues. Para fixar tal alvo, nada custa lembrar, a população não foi convidada a compartilhar... Pactos políticos o determinaram.

III

A Conferência Municipal de Cultura prevê um grupo de trabalho para a elaboração do “Regimento do Teatro Municipal”.

Além de um regimento parecer-nos mais uma obrigação da administração pública, interpretada a expectativa e a necessidade do povo, em relação a um teatro municipal de trezentos lugares ( incluindo três cadeirantes ), não é um documento que se possa conceber e elaborar, isoladamente, de um contexto compreendido por uma população de 209.921 habitantes. Ou então se estará embrulhando um autêntico presente de grego para uma elite.

O Teatro Municipal é, assim, um equipamento simples, cuja grande virtude torna-se dar ensejo à criação de uma política pública específica.

Quais apoios teria uma política pública, que contemplasse, honestamente, o direito de acesso ao teatro de toda uma população?

Aí, sim, obrigatoriamente, seriam chamados representantes de todos

os grupos de teatro, de dança e de música, a fim de se caracterizar a produção e a qualidade dos espetáculos.

Além da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, que está para se transformar num fundo sem contrapartida, a atividade teatral precisaria de um fomento especial, a saber, prêmios de dramaturgia e de encenação, festival etc.

Como o Teatro Municipal só atende a 300 pessoas, considerar-se-iam outros espaços alternativos que se somassem àquele, num programa de formação de público e de estabelecimento de uma rotina teatral, com a programação local e produções convidadas. Assim é que se lamenta o fechamento do Theatron, que seria um parceiro inestimável, no momento em que se inaugurou o Teatro Gravatá.

As leis de incentivo à cultura podem permitir a sustentabilidade de um teatro e a sua devida popularização, no sentido, de abri-lo ao povo, até, gratuitamente. O Teatro Vânia Campos, de Itaúna, com menos de cem lugares, faz isso.

O Teatro Municipal, pela via de patrocínio citada, desenvolveria um projeto de visita ao teatro para ver teatro, junto a sindicatos, escolas, associações etc. E faria o que já deveria estar sendo feito: o cadastramento do público e a criação de vínculos com esse público.

E muito mais que esse esboço...

Por aí se vê que a elaboração de um “Regimento do Teatro Municipal” não é uma atividade por onde se comece, devido à sua natureza complementar, num projeto sincero que pretenda levar o povo ao teatro.

O Teatro Municipal sozinho não faz verão...

*Osvaldo André é professor, poeta, ator, autor e diretor de teatro.

Esteve secretário de cultura por duas gestões. Presidente do Grupo Capela.

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 29/08/2009
Reeditado em 29/08/2009
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