FALA PORQUE TEM BOCA

Quando eu era criança, andava com minha irmã e meu pai quando passaram por nós duas freirinhas, gentis, simpática, generosas. Uma comentou, numa altura suficiente para ser ouvida: - Que lindo, o vovô e os netinhos.

Quando eu nasci, meu pai tinha quase quarenta anos, cabelos brancos, muitos. É algo normal que pais quarentões, cinquentões, ouçam coisas deste tipo. Coisas que acontecem, também, com quem casa com mulheres mais jovens: - É tua filha?

Não deve ser muito raro alguém passar pelas duas situações ao mesmo tempo. Um sujeito que insista em dizer bobagem também não é muito raro. Quem conhece o Olegário ...

Este, desde criança, falava muito, pensava pouco, achava muito, entendia quase nada. Pouco ou nada tímido, não tinha o que a gente chamava de “semancol” e vivia dizendo asneiras com providencial desenvoltura. Atitudes da infância, pensou o Daltro, dia desses, quando, passeando pelas ruas do Menino Deus, em Porto Alegre, com a esposa e a filha, reconheceu o Olegário décadas depois da formatura no primário, último dia em que o havia visto.

- Não estamos mal, disse o Olegário, ainda nos reconhecemos.

Não era bem assim. O Daltro aos cinquenta e seis tinha a aparência de um corpo que acompanhava os anos de uma forma muito real. A esposa, mais de uma década mais jovem, sim, parecendo ter o tempo como companheiro, mantinha formas delicadas da juventude, o que fazia sua aparência mais jovem que era de se esperar conhecendo a contagem dos seus anos.

Quando o Daltro pensou em responder um “sim” a primeira observação do Olegário, ele seguiu:

- Linda tua neta!

- É minha filha, conseguiu dizer sem causar constrangimento ao colega de escola.

- Sim ... disse o Olegário, como quem diz, isso eu já notei faz tempo, ... estou falando da menor!