Tutti buona gente

Esther Ribeiro Gomes

Meu destino é conviver com os italianos... Eles sempre fizeram parte da minha vida.

Por parte da minha mãe, Esther de Almeida Ribeiro, meu sangue é brasileiro, segundo ela, de ‘quatrocentos anos’...

Nossa família é de Jahu, interior de S.Paulo. Minha avó se chamava Maria das Dores de Almeida Prado e meu avô, José Francisco Ribeiro , cujo apelido era Juquinha Ribeiro.

Como já contei em outra prosa, meu avô tinha fazenda de café e empregou muitos italianos, depois da abolição da escravatura.

Por parte de pai, João Luiz Gomes, meu avô Gabriel Gomes era gaúcho, filho de portugueses e minha avó era italiana: Violeta Mabone Pagano.

Sempre apreciei o povo, a música e a gastronomia italiana. Na minha juventude, perdi a conta de quantos sucessos italianos eu ouvia, extasiada, no refúgio do meu quarto.

Minha melhor amiga da adolescência era uma italiana: Beatrice.

Como não podia deixar de ser, casei-me com um neto de italianos e tive três filhos: Carolina, Antonio e Paulo Eduardo.

Depois que enviuvei, conheci outro italiano, Dante, nascido em Roma, com quem vivi por quinze anos até seu falecimento, em 1999. Com ele, viajei por toda Itália e pude conhecer sua deliciosa gastronomia, ‘in loco’. Eu, que sempre gostei de cozinhar, aprendi a fazer deliciosos pratos... Costumo brincar que os brasileiros comem para viver e os italianos vivem para comer! Lá, uma refeição reúne a família inteira e pode levar horas, no meio de muita conversa, sempre regada a um bom vinho...

A massa (pasta) que está presente todos os dias, tem que ser ‘al dente’ (tem que sentir no dente) é o ‘primeiro prato’, em seguida, vem o segundo prato, que é uma carne vermelha, frango, ou peixe e uma verdura, ou legume. Finalmente, o terceiro prato, que é uma salada verde. Tudo regado a um bom vinho ‘bianco ou ‘rosso’ (branco ou tinto), muitas vezes, feito na própria vinha. Tudo delicioso! Ah, e os pães crocantes recheados com frios divinos! E as ‘bruschetas’... Pedaços de pães que depois de assados, esfrega-se alho cru em cada fatia, regados com bom azeite e orégano... Hummmmm... Pizzas ‘ao metro’, em que se escolhe vários sabores e são pesadas à nossa frente. As porchetas (porquinhos pequenos), são vendidas em pedaços, num carrinho (como de cachorro quente), no meio da rua.

Fizemos esse passeio em Frascati (perto de Roma) onde compramos aqueles frios maravilhosos, as panhotas (pão redondo), as porchetas e nos sentamos em frente a uma adega, onde pegamos o vinho e saboreamos todas aquelas delícias numa mesa rústica, no meio da rua, tendo, à nossa frente, a bela Roma!

Em Montelânico, paese encravado na montanha, perto de Coleferro, saboreávamos deliciosas pizzas embaixo da parreira de uvas e o vinho, divino, era feito ali mesmo...

Os italianos são alegres e muito acolhedores. De cada lugar que visitei, guardo lembranças inesquecíveis! As pequenas cidades medievais (paeses), encravadas no alto da montanha, com porta! Antigamente, as cidades eram muradas e trancadas com grandes portas. Os muros e os calçamentos eram todos de pedra. Há uma cidade, na Toscana, cujo nome não me recordo, que tem uma ruazinha tão estreita que se chama ‘Via Bacia Donna’ (Rua Beija mulher), porque as pessoas se esbarram ao cruzá-la e os namorados aproveitam para se beijarem...

Na Toscana, visitamos lugares inenarráveis... Firenze (Florença), que eu chamo de ‘Templo de arte’, as medievais Siena, Pisa, Arezzo, com suas pizzarias embaixo das parreiras de uvas. Na região da Umbria, entre Roma e Firenze, visitamos Orvieto com sua belíssima Catedral e depois fomos para Bagnoregio, onde acompanhei uma procissão à luz de velas até o alto da montanha, na secular cidadezinha de Civita, ‘La città che muore’ (a cidade que morre), porque devido às intempéries, está condenada a desaparecer. Mas os velhinhos que vivem lá, não querem sair de jeito nenhum. Dizem que só saem no caixão...

Em Bagnoregio, ficamos numa casa onde, no fundo do jardim, havia uma tumba etrusca. Os etruscos foram um povo mais antigo e inteligente que os romanos, por isso foram destruídos por eles. Em seus tempos de glória, os etruscos eram enterrados com todas as suas jóias e riquezas, dentro das montanhas. Eles acreditavam que, depois de mortos, voltariam para buscar seus tesouros... Depois, na decadência, quando foram destruídos pelos romanos, eram incinerados e as cinzas colocadas em pequenos potes, nas montanhas.

Assis, onde viveu S. Francisco, toda de pedras brancas e as casinhas com flores nas janelas, parece uma cidadezinha de presépio! Próximo de Assis, visitamos Deruta, famosa por suas cerâmicas... Montecatini, linda cidade da Toscana, que tem fontes de águas curativas. Fiugi, onde também há dessas fontes, tem um parque belíssimo com uma pista de dança de mármore no meio das árvores, onde uma orquestra tocava músicas do mundo inteiro para se dançar! Sperlonga, paese (cidade) à beira-mar, com suas casinhas brancas que lembram as ilhas gregas. Lá, vivi um fato inusitado: numa de suas ruazinhas estreitas, vi um gato comendo spaguetti 'ao sugo', como se fosse um italianinho. Só mesmo na Itália!

Nápoles, cidade de grandes tenores! Dizem que há um Pavarotti em cada esquina... Lá, fomos conhecer o Vesúvio, que é impressionante. Subimos até quase o pico do vulcão e vimos as lavas que se transformaram em pedras negras. Ercolano, cidade que ficava ao pé do vulcão, foi totalmente destruída e ficou soterrada pelas lavas vulcânicas, que se petrificaram. Pompéia, cidade vizinha, também foi destruída em 79 D.C., mas pelas cinzas vulcânicas e pelo gás venenoso. Ficou coberta por pedregulhos e só foi descoberta em 1930, quando fizeram escavações para fazer alguma construção. Pompéia não foi destruída pela lava vulcânica, porque teria virado pedra, como Ercolano e não seria possível de se descobrir. Hoje, em cima daquela Ercolano, existe outra cidade, também chamada Ercolano. Eu não teria coragem de morar lá, porque o Vesúvio não está extinto e poderá entrar novamente em erupção! A última (leve) foi em 1946. Fiquei fascinada por Pompéia. Os corpos foram petrificados na posição em que se encontravam no momento da erupção. Até cachorro ficou petrificado, impressionante! Pompéia tinha encanamento de chumbo, embaixo da terra, naquela época! Que povo adiantado! O mar beirava a cidade e com a erupção, foi afastado por quilômetros. Pompéia me impressionou bastante pela sua civilização muito adiantada e também porque me fascina a história antiga.

Outro lugar encantador: ‘Costiera Amalfitana’. Das cidades dessa bela costa marítima, lembro-me com carinho, de Amalfi e Positano, de suas casas encravadas na monhanha, e a eterna vista para o mar esmeralda! Em Sorrento, pegamos um barco para a ilha de Capri e fomos conhecer a famosa Gruta Azul: a água é turquesa! Essa gruta servia de piscina para os imperadores romanos que tinham suas casas de veraneio em Capri.

Quando fomos visitar a belíssima Veneza, ficamos hospedados na cidade de Pádova (Pádua), onde viveu Sto. Antonio. Lá, tive um dos mais emocionantes momentos. Passávamos por uma praça, quando ouvi a canção brasileira ‘Tristeza’, tocada num lindo piano de cauda, no meio da praça...

Verona, também chamada ‘Picola Roma’ (Pequena Roma), tem um pequeno ‘Colosseu’ e foi palco da mais famosa história de Shaekspeare: ‘Romeu e Julieta’. Estivemos na ‘Casa de Julieta’, onde tem a sua estátua e diz a lenda que se passarmos a mão no seio que está à mostra, encontraremos um grande amor... A estátua é dourada, mas o seio está prateado de tanto passarem a mão... Se é vero (verdade), não sei, mas não custa tentar...

Na Riviera Ligure, em Santa Marguerita Ligure, acordei com os sinos de uma igrejinha encravada no alto da montanha, que em suas badaladas, tocavam a música da Ave Maria! Foi maravilhoso! Parecia um filme de conto de fadas... Se fosse contar todas as curiosidades e belezas que vi, teria que me estender por muitas laudas...

Não existe melhor lugar para saborear o romance da vida do que a Itália! Os italianos valorizam incomparavelmente os prazeres do cotidiano... Eles sabem como viver em perfeito equilíbrio. Compreendem o que significa trabalhar, mas também relaxar e curtir a vida. Eles abraçam tudo com paixão! A Itália tem uma luz que renova as pessoas. E as coisas sobre as quais a luz reflete, são igualmente surpreendentes. Você pode estar descendo uma rua pouco atraente e, de repente, ver uma imagem inacreditavelmente luminosa, de uma mulher pendurando roupas coloridas em um quintal cercado de flores.

Ou, do nada, um comerciante sobe sua porta de ferro e apresenta uma deslumbrante amostra de frutas e legumes recém-colhidos, perfeitamente arrumados em fileiras, como um trabalho artesanal.

Os italianos tratam cada detalhe do preparo dos alimentos, com uma reverência e paciência inigualáveis. Eles sabem curtir a vida...

Quanta saudade da bela Itália!

Esther Ribeiro Gomes
Enviado por Esther Ribeiro Gomes em 30/08/2009
Reeditado em 08/11/2010
Código do texto: T1783054