“O dia em que a terra parou”

Salvador amanheceu com uma chuva torrencial. Prédios e condomínios dos chamados bairros nobres desabaram como pedras de dominó, centros comerciais ruíram, afundando em crateras descomunais e as principais avenidas da cidade se transformaram em cânions com correntezas que levaram consigo a riqueza e a pujança da Terra da Felicidade.


A tragédia não foi maior, pois sobraram incólumes os bairros periféricos, suburbanos, invasões e ocupações. Dessa vez os barrancos e as encostas não desceram morro abaixo, nenhum casebre rachou ou foi arrastado à destruição. Famílias de baixa renda não precisaram ser atendidas nos galpões e casas de amigos e parentes, pois, milagrosamente, a chuvarada não atingiu a população carente da capital da Bahia.

Depois da tempestade a grande descoberta: A nata da sociedade, políticos os artistas renomados desapareceram sem deixar sinal. Por isso, o carnaval desse ano vai ser diferente. Os blocos afros desfilarão nos principais circuitos da folia momesca. Trios elétricos especiais foram preparados para dar vez à grande parcela de moradores que antes só via a festa pela televisão ou espremida no cortejo festivo do Campo Grande e Barra-Ondina. Não haverá corda separando o público. Todo mundo vai pular atrás do trio com ou sem abadá. A fantasia será a vontade de se divertir, do jeito que cada um quiser e puder.

Bandas de fundo de quintal, músicos que jamais conseguiram mostrar o seu trabalho nas rádios ou no carnaval vão ocupar todas as posições de destaque e a mídia vai fazer cobertura total. As imagens e som serão transmitidos via internet, TV aberta e fechada para todo o país sem custo algum. Os jornais impressos também farão reportagens que serão publicadas e distribuídas para quem desejar reproduzi-las sem pagar nada.

Água, cerveja e comida serão patrocinadas por grandes empresas, apenas pelo prazer de ter seus produtos consumidos pelos soteropolitanos e visitantes de baixa renda.

Políticos e representantes de grupos econômicos não serão admitidos em postos de destaque. Todos os participantes do folguedo terão tratamento igual e poderão subir nos trios, entrar e sair dos blocos, ocupar os camarotes e espaços vips.

Os governos estadual e municipal não gastarão milhões de reais com a festança, nem amargarão prejuízos ao final da diversão coletiva. As cifras milionárias serão aplicadas em segurança, limpeza urbana, saúde e educação durante o resto do ano. Tudo isso aconteceu no dia em que a terra parou na Bahia.
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 02/09/2009
Reeditado em 03/09/2009
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