Pílulas da felicidade

Uma perda dolorosa. Um grande trauma, uma violência, uma separação. Qualquer evento que gere um grande abalo emocional, associado à genética, pode causar um desequilíbrio nos neurotransmissores do cérebro, como a serotonina e a noradrenalina; e esse desequilíbrio, por sua vez, dar origem a um mal que afeta, pelo menos uma vez na vida, cerca de 15 a 20% da população, sendo que em mulheres é duas vezes mais freqüente: a depressão.

Isso é o que diz a ciência; porém na prática, o mal parece ser do espírito, e é sentido no coração e na boca do estômago. O apetite se vai, o sono – quando existe – não descansa, não há motivo para se levantar da cama pela manhã e nem para se deitar à noite. Na verdade, não há motivo para nada, apenas o que se faz é ser triste, com a idéia fixa no evento, pessoa ou situação que desencadeou a tristeza mortal.

Temos consciência: a vida é difícil às vezes, e a felicidade está dentro de nós. Sabemos disso. Temos a fé, qualquer que seja a religião ou crença - e se não a tínhamos, passamos a ter. Com alguma condição financeira, temos ainda a psicoterapia, a yoga, a acupuntura; e principalmente temos a família e os amigos, ah os amigos!... Mas às vezes nada disso adianta, nada nos traz paz de espírito, nada nos anima ou motiva, nada nos faz erguer a cabeça e enfrentar o turbilhão de emoções com que o evento tragicamente nos brindou...

Porém no final das contas, felizmente, temos a medicina. Que nos presenteia com a única possibilidade real e efetiva de curar nosso mal do espírito: as pílulas da felicidade.

Fluoxetina bendita, que faz com que a consciência nos clareie a mente, que a fé nos abrande a alma... que traz eficácia à psicoterapia, à yoga, à acupuntura... que nos abre os ouvidos aos familiares e aos amigos, que redime nossas culpas inexistentes, nossos medos infundados, nosso amor travestido de ódio ou vice-versa! Santas pílulas que nos erguem da cama cedo, imbuídos das melhores intenções, e que fazem com que bendigamos o trabalho ou o estudo, distrações úteis e produtivas que aos poucos auxiliam a curar nossos males. Uns dias mais, outros dias menos, mas uma ou duas pela manhã representam a esperança num futuro. Por um ano, no mínimo, malgrado não podermos ter o chope com os amigos ou a caipirinha no almoço de domingo.

Queria que as pílulas da felicidade fossem realmente eficazes, mas de outra forma: dentro de sua embalagem inviolada. Que ao olhar para ela, me lembrasse do telefonema preocupado da mãe logo cedo, das mensagens de ânimo dos amigos sempre presentes, do sorriso meigo da filha, da presença jovial do filho. Que visse na caixa fechada do remédio o reflexo do sol que entra pela janela, os pássaros no quintal, o abanar do rabo do cãozinho, o abençoado trabalho, o corpo perfeito, a saúde invejável, a consciência tranquila. Que pegasse no blister lacrado e vislumbrasse ali dias mais felizes, porquanto estão no calendário e não nos comprimidos diários. Beberia o copo d´água e mataria apenas minha sede, e não meu otimismo verdadeiro. Não engoliria junto com ela a alegria de viver, porque ela já está dentro de mim, sempre esteve, apenas provisoriamente escondida – e não será um remédio que a vai encontrar.

Mudo a partir de agora a indicação médica: todos os dias, às dez horas da manhã, pegarei um copo d´água e uma pílula. Jogarei o remédio no lixo e brindarei à vida, bebendo a água em grandes e ruidosos goles, não sem antes jogar um pouquinho pro santo. Depois, sorrirei de satisfação, agradecendo a Deus por mais um dia que começa... e assim seguirei minha própria receita de felicidade sem pílulas!

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Obs. Este texto é uma metáfora para ilustrar que a felicidade é um estado de espírito e depende de nossa visão de mundo, porém a depressão é uma doença que deve ser diagnosticada por um profissional e devidamente medicada. Portanto, não tome remédios nem suspenda nenhuma medicação sem orientação médica.