Vou de táxi – uma crônica de humor sobre taxistas
 

A cidade de São Paulo conta com aproximadamente 32.766 táxis licenciados, agregando o maior número nacional.Houve um tempo em que eu andava muito de táxi e hoje, vendo o tamanho dessa frota, penso como foi coincidência eu já ter pegado o mesmo veículo duas vezes num mesmo dia.

Há vários tipos de taxistas:.Um deles faz o gênero cinema-mudo : só abre a “boca quando tem certeza”, digo, somente para anunciar o valor da corrida.Esses são os mais raros, pois em geral, taxista é tagarela por natureza.O tipo calado gera uma sensação de alívio e angústia a um tempo só, no passageiro.Explico: você fica aliviado por ter dado a sorte de pegar um taxista tão discreto, que fica esperando ele falar( você  acha impossível um taxi driver não soltar um comentariozinho do tipo: “será que vai chover hoje?”). Daí fica angustiado porque ele não diz palavra.

Pior que taxista tagarela, é o tagarela que fala baixo: ele fala, fala, fala e a gente não ouve nada.Não temos tempo (nem coragem) de dizer: “o que você disse há cinqüenta frases atrás?”, para não incentivá-lo a continuar falando(baixo!) e muito menos repetir a oração.

Não sou do tipo que entro muda e saio calada de um táxi. Até gosto de conversar, mas tudo tem limite.Há profissionais do trânsito que falam mais que a CBN! E por falar em rádios, meu gosto musical raramente combina com o deles.Já menti: “Por favor, o senhor poderia desligar o rádio? É que a minha religião não permite que eu ouça ‘na sua boca eu viro fruta/chupa, chupa, chupa que é de uva’, entende?”.

Uma vez dentro de um táxi tudo pode acontecer.Impossível prever o tipo que está sentado sobre uma esteira de bolinha de madeira.

Na época em que eu ia à casa do meu namorado (atual marido), ligava para o ponto de táxi e solicitava um carro em minha residência.Com o tempo, acostumei-me a um determinado motorista e se ele estivesse disponível, pedia que me mandassem ele me buscar.”Questão de segurança”, pensava eu.Fria!Um dia, o sujeito, que tinha vocação para humorista da “A Praça é Nossa”, chegou efusivo demais para o meu gosto:

-E aí, Maria, vamos namorar hoje?

Cantada de taxista é uma coisa assustadora, principalmente se acontece de madrugada.A mulher olha para o Don Juan motorizado que tem na testa o letreiro piscando “ou dá ou desce” e tem de encontrar as palavras certas para dizer a ele que só está afim, meeeeeesmo, de ir para casa.

Há aqueles que fazem do táxi o seu divã; mas no caso, o paciente é ele próprio: contam todos os problemas conjugais e financeiros - por isso tornou-se taxista, segundo ele - só porque você caiu na besteira de cumprimentá-lo com um “Oi, tudo bem?”

Tem o “motorista meu filho, minha vida”: é aquele que olha para você e diz: tenho um filho da sua idade!”, independente se você tenha 20, 30, 40, 70 anos de idade! Incrível, mas eles têm um filho na sua faixa etária!!!Contam-lhe a biografia to-di-nha dos seus herdeiros até o destino da sua corrida ou até que, um passageiro depressivo e com descendência nipônica, pratique o haraquiri para recuperar sua honra perdida.

Pegar um táxi,pode ser um simulado para uma entrevista de emprego.Com um olho no taxímetro e outro no retrovisor, o cara inicia o questionário:

- E aí, você faz o quê?
- Eu trabalho...
- Sei...Trabalha em quê?
- Numa empresa...
- Que empresa?
- Numa ali na região central...
- Mas você fez faculdade?
- Sim, fiz.
- Mas fez faculdade de quê?

Para constranger o “entrevistador”, eu sugiro para o início da “entrevista”:

-E aí, você faz o quê?
-Estou procurando emprego.Acabei de sair da cadeia por ter matado um taxista.

Pode funcionar...mas eu confesso que nunca tentei.

Falando em retrovisor, lembrei da antológica cena do filme “Os Sete Gatinhos”, de Nelson Rodrigues.O ator Sandro Salviatti interpretava um motorista de táxi, que ficava atento à conversa do casal de passageiros e achou graça da mulher pagar a corrida:

-Vai ser 93!
-Quanto?
-Noventa e três malandros!
 
Sozinho, o taxista teoriza:
 
-Eita mulherzinha sem-vergonha!Esse bicho é que tá certo, tem que arrochar, mesmo...dá dinheiro coisa nenhuma, tem mais é que tomar...hahhahahaha.

Rodam por aí os espertinhos, que ficam ensebando atrás dos ônibus, de propósito ("ai, que trânsito carregado"!); os que não ligam o ar-condicionado se não vão com a sua cara, ("Nojento"!)os politizados (“esse governo está uma vergonha), os fãs de novela (“quem será que matou a Odete Roitman?”), os mentirosos (" Peguei a Juliana Paes no aeroporto e ela me deu mole"), os candidatos à celebridade instantânea (“já mandei meu vídeo para o Big Brother”), os céticos (“não acredito nesse negócio de “ex-gay”), mas para mim, o campeão dos taxistas, é o tipo preguiçoso, o que avalia se a pena para ele fazer a corrida:

-
Centro, por favor!
-Centro da cidade a essa hora? Não vou não!Acho que vai chover, acabei de lavar o carro!

Palavra que quando ele me disse isso que eu olhei para os lados, procurando uma câmera escondida.”Caí no 'Táxi do Gugu'," pensei.Não, não era o táxi do apresentador do Pintinho Amarelinho.Se bem que foi melhor não ter sido pegadinha, foi sim:perdi o táxi, mas não paguei mico na tevê:Mico, pintinho amarelinho...Eu ficaria uma fera com tanto animal em minha cabeça.

Em outra vez, eu estava em cima da hora para uma reunião.O jeito foi incorporar a Angélica para ganhar tempo e dizer: “vou de táxi”:

-
Boa tarde,senhor.Por favor, me leve à Rua Fagundes.
-Moça, esta rua fica a três quadras daqui, dá para ir à pé.
-Eu sei, é que se eu for caminhando, chegarei suada e atrasada à minha reunião...vamos?
-Ah, não vou, não.Vai que eu saio daqui e me aparece uma corrida melhor?

Só vejo uma explicação para isso: dirigir, durante horas, no trânsito exponencialmente caótico das grandes capitais, deve apagar as luzes dos letreiros do juízo de qualquer um.


 
(Maria Fernandes Shu – 02 de setembro de 2009)
Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 02/09/2009
Reeditado em 02/09/2009
Código do texto: T1788626
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