A caveira ao lado da estrada

Funcionários, ao roçarem a vegetação margens da BR101, toparam com uma caveira no meio do capim. Sozinha, sem pai, nem mãe, sequer um pescoço para apoiá-la; muito menos um tronco, braços, pernas etc., como seria de esperar numa situação dessas, afinal, não se morre aos pedaços. Ao menos fisicamente!

De quem seria? Como chegou lá? “Pode ter sido suicídio”, vaticinou um mais afoito, ao saber que havia um buraco de bala no crânio. Mágico suicida que consegue matar a cabeça e esconder o resto... E se foi um terrível acidente, em que o veículo continuou sozinho, até ser parado por um policial, por excesso de velocidade?

Aquele gozador da praça formulou uma teoria mais hilária: o crânio era de um sequestrado, e o sequestrador era ibérico. Para provar que estava com a pessoa, enviou a cabeça, não sem um recado macabro: “Se não pagarem o resgate, na próxima vez, mando o dedo dele”.

Minha teoria é muito mais cultural e, acho eu, mais plausível: é culpa desse pessoal do teatro. Explico: em busca da perfeição, o ator andava pra lá e pra cá com a caveira debaixo do braço, declamando Hamlet: “Cadê suas galhofas, suas canções, suas explosões de alegria?”, com o olhar fixo na caveira, que supunha ser do pobre Yorick, o palhaço da corte. Até se contentava um pouco com o resultado, mas seu desafio era maior: fazer um Hamlet que superasse Lawrence Olivier. Sonhava com outdoors reluzentes, com enorme fotografia dele, caveira na mão e uma chamada em inglês, para o charme ficar completo. E tentava: “Where be your gibes now...?” Parava por aí, pois o “where” já saía muito mais a John Wayne perguntando pelo facínora do que a Mel Gibson, em seu Hamlet cinematográfico. Sir Lawrence Olivier, nem pensar.

Após milhares de tentativas, num acesso de raiva ou bom senso, chutou a pobre caveira para o mato, acabando, com um chute, com a possibilidade de reconhecimento internacional dos dois. Virou andarilho. Na última vez que foi visto, declamava Teixerinha para os caminhões que trafegavam pela BR. Alguém contou que o viu cantando Belchior.