A sabedoria do silêncio

Ao receber a noticia que o meu pai havia partido para a eternidade, fiquei muda e fechei os olhos, vi um pássaro alçar vôo e entrar nas nuvens, não sei explicar isso...Continuei de olhos fechados, não quis falar com ninguém por alguns momentos, fui buscar no pensamento as últimas palavra que eu falara para ele no mês anterior, quando de férias, aproveitei todos os momentos com ele e minha mãe. lembrei de quando estava sentada no chão, a cabeça junto às suas pernas, o ouvi contar várias histórias vividas, utopias de um velho garimpeiro que sonhou um dia encontrar o “grande filão”, a realização de ser pai de quatro mulheres especiais (das quais faço parte), a chegada (no lar de um menininho que recebeu o nome de Jeaan ANDRÉ, em sua homenagem, a admiração por minha mãe, companheira firme e constante, enfim, ao ouvi-lo falar, descobri que mesmo doente, aos 82 anos, meu pai ainda tinha sonhos, isso o mantinha vivo e resoluto quanto a ficar bom. Todos os dias à tarde, ficava com o seu radinho no colo ouvindo comentários esportivos, era torcedor do Clube do Remo que não estava em uma boa fase. Na maior parte do tempo permanecia calado olhando o jardim que adornava a casa. Antes de retornar das férias, observei que o meu pai às vezes olhava para frente, mas não enxergava, parecia estar dormindo de olhos abertos, havia uma leve película embaçada sobre a sua visão, fiquei com medo...o meu avô quando estava perto de morrer, perdeu o brilho nos olhos.

Bem, mas o que falei ao me despedir no dia 14 de julho de 2009 às 19:30 minutos foi uma leitura bíblica que está no Salmo 121, “Elevo os olhos para os montes, de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra...” Ele repetia partes da leitura, quantas vezes já não a havia recitado? Várias, era uma das suas preferidas, uma oração de confiança no Eterno. Ao término, perguntei se acreditava que o nosso Deus estava com ele, respondeu que sim, que a sua confiança estava em Deus, oramos juntos e o beijei na testa, ele beijou o meu rosto e disse que me amava, eu também falei o mesmo, disse ainda que quando menos esperasse, eu voltaria para vê-lo, ele deu um sorriso leve , creio que no fundo, sabia que talvez não nos víssemos mais, beijei a sua mão pedi sua benção, ele beijou o dorso da minha mão esquerda, (sou canhota) e assim, sai, dizendo, se cuide, fique com Deus, pai...e ele ficou mesmo, hoje divide o mesmo céu com o nosso criador, deve estar contando estrelas, olhando as cadentes com seus olhos brilhantes, cheios de prazer como um dia possuiu aqui na terra.

Saí do "transe", precisava comprar as passagens para ir ao encontro da minha família, minha irmã Adna falara ao telefone: - Venha, nosso pai partiu! Respondi, estou chegando, mana, e assim fiz, ao amanhecer do dia, estava chegando à Igreja Presbiteriana em Altamira-Pará, que foi a nossa casa desde que nascemos, ele foi um dos fundadores daquele templo e o seu corpo estava sendo velado ali. Entrei de mansinho, as pessoas que passaram a noite velando o seu corpo me olhavam assustados, solidários, recebi abraços de cada um, pedi que as minhas irmãs fossem para a casa de meus pais cuidar de minha mãe e fiquei ali com ele. Seu corpo estava ereto, como esticou!...suas mãos estendidas ao longo do corpo ( mamãe não as deixou cruzadas sobre o peito), parecia que dormia...a barba baixinha cobria o queixo, olhos fechados...dormira para sempre, seu espírito já estava junto de Deus, só o seu corpo mortal jazia dentro daquele caixão. Toquei as suas mãos e rosto, falei com ele ali em silêncio, as palavras que proferisse não serviriam de nada por isso, quis apenas pensar, agradeci a Deus por ter me presenteado com esse pai maravilhoso, que me ouviu dizer muitas e muitas vezes que o amava que também deu amor de sobra mesmo com o seu jeito calado, mas sabiamente me ensinou a ser pessoa de bem, a não falar palavrões, a respeitar os semelhantes, mas o principal me ensinou o caminho da igreja indo junto com toda a família. Não costumava nos dar sermões mas enchia a nossa casa de textos bíblicos para que pudéssemos ler e por em prática. Era alguém de poucas palavras, mas um sábio em silêncio, não reclamava, não esperneava, nem mesmo em meio à dor.

Depois do seu enterro, comecei a mexer na casa, guardar suas coisas em caixas... Descobri um caderno velhinho com várias orações que ele escrevia no leito da enfermidade, sua letra trêmula dizia de sua fé, pedia força, firmeza e agradecia por tudo, li cada uma daquelas orações como um sedento no deserto, mostrei para a família, e, nem mesmo a nossa mãe sabia que o papai registrava suas petições e gratidões.

Meu pai era um sábio no silêncio, pouco falava, mas foi um homem muito além do que imaginávamos, tinha uma crença à prova de tudo, que conseguiu cumprir a sua jornada sem apostatar da fé, como o apóstolo Paulo combateu o bom combate, completou a carreira e guardou a fé. O exemplo de sua sabedoria deixou para nós, não era ansioso, pelo contrário, sabia esperar pelo Senhor.

“...O SENHOR guardará tua saída e a tua entrada, desde agora e para sempre”. (Sl.121:8)

Deus guardou a sua saída desta vida e a sua entrada na outra, a vida eterna, prova disso é que ao ser perguntado onde se encontrava, antes de morrer, respondeu entre lágrimas: - “No céu, eu estou no céu”, palavras de minha mãe, de minha irmã e irmão que se encontravam no quarto quando ele partiu.

Uma de suas orações:

AMADO SENHOR JESUS

COLOCO A MINHA CONFIANÇA EM TI POR TODA A ETERNIDADE.

AJUDA-ME A VIVER NA ESPERANÇA DA TUA PROMESSA DE QUE TEREMOS A RESSURREIÇÃO E A VIDA ETERNA, AMÉM!

Benedito André dos Santos +