AUMENTO DE SALÁRIO? (Mini Crônica)

Numa grande empresa de contabilidade, o presidente está reunido com alguns clientes prestes a fechar um novo contrato que renderá alguns milhões em lucros. De repente, a porta da sala se abre e entra um senhor de meia idade trazendo em uma das mãos, um capacete de motociclista. Coloca o objeto em cima da mesa de reunião e começa a falar:

- Chefe, preciso conversar com o senhor. Tem três dias que tento marcar uma hora com sua secretária e ela sempre diz que sua agenda está cheia e que não dá pra me encaixar. O assunto é realmente urgente e não dá mais pra esperar. Por isto, hoje esperei ela ir ao banheiro e resolvi entrar sem avisar pra falar com o senhor.

- Você não vê que estou no meio de uma reunião? Estas pessoas marcaram comigo há dias e eu não posso lhe dar atenção agora! Faça o favor, volte outra hora, sim?

- Quando o senhor poderá me atender?

- Realmente não sei. É Izabel quem controla minha agenda. Marque com ela e aguarde. Talvez na semana que vem eu tenha um horário vago e possa lhe atender.

- A semana que vem pode ser tarde demais chefia!

- Nunca é tarde pra se falar com o patrão meu caro, principalmente quando é ele quem paga o seu salário, lembre-se disto!

- No meu caso, pode ter certeza que sim!

- Então me diga o que pode ser mais urgente que uma reunião onde estou fechando um novo contrato que trará mais trabalho e lucros para nossa empresa?

- O senhor sabe que trabalho aqui há quase um ano, e neste período, nunca lhe aborreci com nada. Aliás, nunca falei com o senhor pessoalmente, mas o caso é que estou precisando, o mais depressa possível, de um aumento de salário.

- Me desculpe meu amigo, mas como é mesmo seu nome?

- Herivaldo, senhor!

- O senhor deve ter algum distúrbio mental, não? O que o senhor faz aqui na empresa?

- Sou office-boy, senhor! Um trabalho altamente especializado e que requer certa capacidade de raciocínio e tomadas de decisões estratégias. Qualquer erro meu pode representar um prejuízo irreparável para a empresa.

- Eu pensei que esta fosse a minha função, não a sua.

- Neste mundo globalizado as coisas são bem diferentes de dez anos atrás, chefe!

- Como assim? Pensei que office-boy fosse somente um entregador de documentos ou um encarregado de fazer pequenos pagamentos. No máximo, uma pessoa que pudesse ir à padaria da esquina e comprar um lanche ou a uma agência dos correios e despachar uma correspondência.

- É isto mesmo que faço, senhor!

- Não vejo então nada que requer uma especialização ou tomada de decisão estratégica nisto.

- E se eu tomar um caminho errado e demorar a entregar um documento importante que não pode chegar atrasado? E se eu entrar numa agência bancária, for assaltado e os ladrões levarem o dinheiro que era pra pagar as duplicatas da empresa? O senhor já pensou nisto?

- Não! Isto é a sua função, não a minha. É por isto que sou o seu chefe e você é o office-boy. Por acaso o senhor ganha menos de um salário mínimo?

- Não senhor, ganho igual aos outros companheiros de classe.

- Então porque devo lhe dar algum aumento de salário se o senhor ganha o mesmo que os outros office-boys da empresa? O senhor faz exatamente o mesmo trabalho que seus colegas, não é?

- É sim chefia!

- Então o que lhe dá o direito de invadir a minha sala, atrapalhar uma reunião importantíssima para a empresa, e vir pedir aumento salarial?

- É que tem várias companhias andando atrás de mim. Como estou aqui há quase um ano, gostaria muito de não sair da firma.

- E quem seriam estas outras empresas que estariam doidas pra lhe contratar? Uma de minhas concorrentes? Duvido muito!

- Não, meu nobre. Não é nenhuma concorrente sua.

- Então quem está andando atrás de você? Uma companhia multinacional, por acaso?

- Não senhor. É a companhia de água, de energia, de gás, de cartões de crédito, a dona da mercearia, a dona do barraco onde moro com minha mulher e sete filhos...

Herivaldo Ataíde
Enviado por Herivaldo Ataíde em 12/09/2009
Reeditado em 13/09/2009
Código do texto: T1805633
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