Um trem para a alegria.

"A alegria é a prova dos nove."

Oswald de Andrade, em Manifesto Antropológico.

Eu nem sei porque ainda aceito um convite do Drup. Pois a praga do sujeito, na própria casa dele, me fez passar o maior "carão". Foi falando pra mãe dele " olha mãe bem na fuça deste cara, é ele que anda espalhando por aí que é o meu verdadeiro pai". Desgraçado, sem ação, não via saída ou buraco para esconder a minha cara rachada. Sujeira! Ainda bem que a mãe do filho da mãe, sabe bem do filho destrambelhado que criou, e logo deu um jeito de me destravar, dizendo que se ele fosse meu filho, certamente teria mais educação.

O Gustavão, também, ficou em maus lençóis em outra vez, numa confabulação, em que estive presente. O danado entornou, sem nenhum pudor, impropérios na cara do rapaz. Disse que o carro novo do Gustavo fora conquistado arduamente com dinheiro da função B, que é a de garoto de programa em Vitória; e que esse negócio de "personal trainer" é uma fachada, aliás as coisas se complementam, e que o tralhalho é completo, faz tudo: barba, cabelo e bigode. O Gustavão, um rapagão de olhar terno e jeito pacato, desejou um barril ou uns bons lençóis para se esconder. E não pára por aí, teve o churrasco do Bizonga que foi torpedeado - Viu o churrasco do cara? Tem toalhinha xadrez na mesa! Churrasco de americano, meio afê, e ainda faz com horário para acabar - Concordei com ele sobre o horário para acabar, mas as toalhinhas eram "maneiras". E o Super Diego, que vem dos estudos no Rio, passar as férias em Colatina, e até parece que gosta de sofrer, enfurnando-se na casa do Drup. Mas o Diego, eu sei que se amarra. Ele ri de raiar a cara quando o Drup fala que ele estuda para ser urologista, e assim poder examiná-lo, a pretextos médicos, e assim realizar o seu perfumado sonho de consumo.

Apesar dos pesares e pesadelos, aceitei ir tomar uns chopes. Não pelo Drup, é que o bar era muito bom, tem dois oitis que sobreiam a calçada inteira e era um dia muito calorento. Foi logo me apresentando um tal de Luís Cláudo. Ele já tinha falado sobre o camarada, aliás, era Deus no céu e esse tal Luís Cláudio na terra. Achava que se tratava de uma portentosa figura de fino trato. Era outro Drup, só que de pança saliente e mais velho. Dizem que ele está até bem agora, pois arrumou uma namoradinha "alternativa" e está dando um trato no visual e até virou freguês do boticário. Falava o tempo todo em "cumemuiê". E que uma fulana de tal teria ficado com sicrano e que beltrana tinha dado mole para ele. Até que apareceu um sujeito, saído de um fusquinha setenta e sete, sentou-se só, ajeitou um rádio de pilha cuidadosamente sobre a mesinha do bar, tinha dificuldade para sintonizar na Difusora, até que conseguiu, deitando o rádio, ouvir o jogo do CTE. Deu para ver que o aparelho era de muito antigamente. E para mudar a conversa comentei: - com esse rádio ele deve ter ouvido os gols do Kinkas, naquela fase áurea do Colá. Então o Luís Cláudio se empolgou. - Pôxa, você se lembra daquele jogo em que o Colatina empatava em um a um e precisava ganhar o jogo para faturar o turno? O lateral - continuou ele - bateu uma falta da linha de fundo. Um "tirambaço" e a bola bateu na cabeça do Kinkas e varou a rede. - Lembro, sim - respondi . O garotinho narrava aos berros: "É do Colá, é do Colá, é do Colatina, galera. Foi ele, Kinkas, o homem do bigode." - Pôxa, retrucou ele, mas você é muito novo para se lembrar. - Pois me lembro muito bem e tenho certeza que aquela cabeçada foi sem querer. - É mesmo, também acho, até que enfim alguém que pensa como eu. E todo mundo o tomou como herói. Fez o gol e desmaiou, saiu na maca, para mim não passa de um "cagão", falou o Luís Cláudio.

Pois não é que fiquei encafifado com aquela conversa. Quando passei em frente ao Detran, vi de longe um bigodão. Era o Kinkas, o homem do bigode. Trabalha fazendo inspeção veicular, para o licenciamento dos veículos. Não me contive, parei o carro e perguntei: - Kinkas, quando você fez aquele gol de cabeça, naquela virada sobre o Rio Branco, foi sem querer, não foi? O Bigode, tranqüilão, conversa mansa respondeu: - Sem querer se eu não estivesse em campo. Mas como estava lá, foi por querer. Como você pode dizer que foi sem querer? Você não tem idade para se lembrar. Aposto que foi o Luís Cláudio que te falou isso. Desde aquele jogo com o Rio Branco que aquele peste não me deixa em paz!

Posso até ter desagradado o nosso herói do futebol, mas estou me sentido bem mais novo e ao mesmo tempo preocupado por ter-me tornardo amigo do Luís Cláudio. Um Drup só já é demais!

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Joel Rogerio
Enviado por Joel Rogerio em 23/06/2006
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