Por um lapso

Eu mesma em duas. De dentro e de fora.

Sou o que sou, nesta viagem por caminhos cruzados.

Passos juntos e separados.

Com muitos e ninguém, entre as folhas caídas nas estações da vida!

Tantas consciências, que sendo únicas, jamais serão iguais a minha.

E ele estava lá. Só, altivo, com seus trapos e panos encardidos,

no abandono de todos os dias.

Um rei e seus súditos de plástico - uma sacola e outra, e mais outra, dentro umas das outras, bem amarradas, com nós por todos os lados,

guardando seus tesouros de sobrevivência: o resto das sobras de comida da mesa de alguém.

Abriu e cheirou desconfiado.

E se lambuzou e comeu com as mãos feito um bicho.

Lambeu cada dedo e sorriu satisfeito !

Limpou-se nos bolsos pelo avêsso de sua calça velha,

como se fossem guardanapos de linho !

Do alto de sua dignidade miserável naquele banco de praça,

permitiu-se me olhar com toda a sua indiferença.

Naquele momento não passei de uma inutilidade qualquer, daquela rotina.

Nada mais que um amontoado equivocado de carne, sangue e ossos,

sem valor nenhum em seu reinado.

Quem sabe, por um lapso de tempo, uma inutilidade útil.

Por um lapso de tempo e nem um segundo mais.