A FESTA

A FESTA

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Eram dezenove horas e trinta minutos de exatos dez dias atrás

Chegou e de imediato foi recebendo cumprimentos de todos que conhecia, menos de mim, que fiquei invisível porque fui deixado à distância. Mas tenho certeza que me reconheceu, pois desde menor idade sempre lhe dediquei extrema admiração, jamais correspondida. Seus braços sempre estiveram abertos para receber buquês vindos de outros jardins. Pareceu-me ser esta a sua predileção: desdenhar as flores conterrâneas em troca de flores xenófilas.

A implacabilidade do tempo não deteve os ponteiros dos relógios e eis que, em dia ensolarado e pleno de azul no céu entrecortado por geométricas nuvens brancas, uma outra flor, originária das mesmas paragens, abraçou o espaço contido entre seus braços...

Embora desconheça até hoje o real motivo, não obstante em sonhadora imaginação possa vislumbrar qual tenha sido esse remoto motivo, aqueles braços contaram-me, aos meus atentos ouvidos, esse motivo:

-Às vezes, jamais imaginando que a rosa esteja tão perto de nossas mãos, procuramo-la em jardins alienígenas, acreditando que é desses jardins que vêm as rosas mais ofuscantes. Que ledo engano!

Sim, ledo engano que, em jornadas diuturnas, ao longo de décadas, estraçalhou pétalas... Em novas jornadas, que outrora também eram percorridas à semelhança de jornadas em estradas paralelas, as pétalas seguiram, num dia esperado, rotas diametralmente opostas, em pleno respeito a desígnios advindos daqueles céus azuis, iluminados por intensa luz solar e permeados por brancas nuvens, as quais nunca foram as nuvens de paz que tanto queriam que fossem...

Por essa causa, quando ainda não estavam tão opostas, há vinte anos incompletos, foi que a luz de uma rosa atravessou prismas insondáveis, ultrapassando óbices transversos para desdobrar-se em espectros elucidativos: “De súbito, a pedra desperta de seu sonho régio. Seus olhos líricos, rústico florilégio, lêem páginas imaginárias a justapor nítidas palavras lendárias... E caminhando rumo a majestoso prédio encontram obstáculos quase intransponíveis, eis que letras longínquas, oposto remédio!, definem paredes empíricas ou áureas: então a pedra conquista translúcidas láureas! Enquanto isso, as estrofes intangíveis seguem jornada, insensíveis, pesquisando alternativas vãs e mistérios. E miscelâneas desvairadas de tons escrevem danos sérios nas pétreas faces amorfas que, extemporâneas, tombam tristes e arrastam fagulhas aéreas... A pedra disforme perambula. De ângulo amargo, rimas acenam ao triângulo mudo e rolante gélidas luzes etéreas onde, via cores e tons que telas atingem, a pedra vislumbra, enfim, que poemas fingem idéias, pincéis, ídolos, papéis e painéis...”