Bananada

Adoro bananada, principalmente aquela preta por fora, que vai ficando com tons de marrom e avermelhado por dentro a cada mordida. Com longe sabor de cravo e açúcar cristal que vai se acumulando gentilmente nos cantos dos lábios que serão lambidos com avidez ao término do doce. Doce sabor de infância que já não se vê por todo canto como a candura e inocência de quem viveu criança os tempos da bananada.

Lembro-me de entrar no pequeno armazém do meu bairro, localizado em meio a duas valas negras provindas das primeiras quadras com lotes totalmente povoados daquela cidade pacata. Eram valas lotadas de rãs nas estações chuvosas, e talvez tenham semeado a primeira grande dúvida da minha vida: como as rãs sobreviviam sem que pudéssemos vê-las todos os dias? Como seria possível a existência de seres tão ignorados? Eram notadas somente quando ocupavam o centro de um problema. Exterminavam as rãs, as valas continuavam lá. Quando entrava no armazém, a imagem do gigantesco baleiro giratório de vidro afugentava minhas reflexões mais profundas. E com mãos pequeninas, punha-me a girá-lo em torno de seu eixo como quem gira um globo terrestre com a intenção de viajar para onde parar seu dedo.

O tempo passou e trouxe consigo mais que rugas ao meu rosto e experiência a meus passos; trouxe novos adjetivos às cidades antigas, que repassaram os já inúteis a cidades que passaram a existir. Pacata se tornou então o adjetivo mais doado de todos os tempos. As valas que cortavam as cidades transferiram sua negritude aos rios, casas passaram a ser empilhadas com maior frequência a cada ano. Valas eram coisas do passado, mas para mim elas sempre existiriam.

Girei a chave para desligar o motor. Enquanto atravessava o estacionamento coberto do hipermercado, os assuntos do passado, nos quais há pouco pensava freneticamente, se reduziram a uma mente calada. Com todo o tempo que tive, ainda não aprendi a não deixar meus questionamentos de lado diante das distrações do sistema. Recobrei a consciência quando um jovem me puxou a manga direita exatamente no momento em que a sinaleira de pedestres preparava-se para abrir. Uma leve raiva me atravessou o corpo inteiro me deixando ainda mais desperta. Todos sabem o tanto que os sinais levam para abrir e o pouco que permanecem fechados. Virei o rosto sem lhe dirigir os olhos, como se sua imagem fosse me ferir. Existe um olhar que treinamos para estranhos: geralmente não os olhamos nos olhos, pois não merecem nossa confiança. Mas aquele era um olhar para os ignorados – fingir ser distante, no meu caso, exprimia uma hipotética superioridade. Por sua aparência, captada por minha visão periférica, lhe dei alguns tostões. Quando já de costas e com um pé fora do meio fio, ouvi a sua voz acutíssima: “Tia, toma, é bananada.” Virei o rosto lentamente, como se o conhecesse. Realmente o conhecia: era uma criança. Peguei as bananadas separadas em trouxinhas com cinco, olhei os olhos do menino e ele sentiu um misto de agradecimento e susto por alguém comprar-lhe os doces. Foi difícil permanecer a seu lado; era impossível ignorar o que ele representava.

Nada mais me distraiu naquele dia, não a ponto de calar meus pensamentos. Lembrei-me, enfim, do doce em si, que havia muito tempo não comia. Quando dei a primeira mordida, percebi que não possuía mais o gosto doce da minha infância; era amargo como o olhar daquele que fez chegar às minhas mãos. Eles estão ao nosso redor e não são notados pela maioria; apenas quando se tornam um problema. Como um ser humano pode sobreviver sem ser notado? Exterminamos vidas, reclamamos das consequências. Mas as valas continuam lá, hoje talvez eu já tenha aprendido o porquê.