Qual é a Cor da Saudade?

 

Rosa Pena

 

Mamãe sempre gostou de costurar e bordar. Seu forte era roupinha de neném, que fazia num capricho só. Os netos cresceram e ela, sem perspectivas de bisnetos a curto prazo, engajou-se na entidade Frei Damião, onde um dos objetivos era enxoval para crianças carentes. O tempo passou a sobrar em sua vida depois que papai se foi, então ela acabou virando uma figura atuante na instituição. Tome de enxovalzinho. Tenho certeza absoluta que muito bebê por aí vestiu e veste by Evelin. Sempre que imagino meu futuro neto, sinto uma vontade imensa de vê-lo vestido com alguma peça dessa grife.

Eu conheço de cor e salteado os bordados dela e reconheço cada barra de tricô que ela fez. São maravilhosos. Vejo-os com os olhos da saudade, portanto, são legítimas obras de arte, em beleza e em valor, para mim.

Perto do Natal, ao entrar no metrô, vi um recém-nascido enrolado em uma manta bordada. Reconheci o ornato de imediato. Foi mamãe quem bordou! Foi sim! Não resistindo e querendo saber se era “viagem” nostálgica (época de Natal é fogo), resolvi perguntar à jovem mamãe onde havia conseguido aquela manta.

— Foi de meu irmão. Minha mãe ganhou um enxoval de um lar para crianças pobres e guardou para quem viesse depois. Gostou?

— Adorei! É linda. Uma verdadeira raridade!

— Pena que não posso dar, não está sobrando, aliás, por aqui anda faltando (disse sorrindo, com a simplicidade dos iguais).

Diante do meu olhar fixo e fascinado, viu a oportunidade de conseguir algo.

— Eu posso vender, ele precisa muito mais de fraldas. Quer comprar?

— Por quanto?

— O que vier está de bom tamanho.

— Cem reais? É tudo o que tenho aqui.

— É muito para uma manta usada, apesar de ela ser realmente linda.

Tirei o dinheiro e lhe entreguei.

Imediatamente ela começou a desenrolar o bebezinho. Ele deu um choramingo, as bochechas ficaram pálidas, talvez pelo frio do ar-condicionado, talvez pelo susto. Perdeu a cor! Sensação ou  impressão? Um neném sem matiz!?

— Deixe-o agasalhado. A obra de arte é ele. Não tem preço o colorido que ela lhe dá.

— E o dinheiro?

— Fique com ele como presente de Natal.

— Seu presente? Nem me conhece!

— Não é meu... É do Portinari.

Mamãe faz parte da aquarela dele! Cândido, qual é a cor da saudade?

 



Título do quadro:
Meninos Brincando /Portinari


  
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Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 25/06/2006
Reeditado em 06/07/2013
Código do texto: T182060
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