Minha São Bento da memória

Era pequenina de carregar no colo, mas se achava grande e importante. E como era grande nos nossos corações. E como era importante nas nossas vidas. E nas vidas de muita gente Brasil afora: móveis de São Bento eram referência em todos recantos brasileiros. Ruas empoeiradas foram, aos poucos, recebendo caros e raros paralelepípedos, palavra que minha mãe morreu sem conseguir pronunciar, embora risse e falasse anticonstitucionalmente com toda leveza.

Andava-se de bicicleta sem imaginar que um dia surgisse algo chamado ciclovia, as pessoas se cumprimentavam como se fosse natural fazê-lo e quase todos se conheciam, o que não era a melhor coisa do mundo, pois havia sempre o fantasma chamado “Die Leute”, onipresente e onisciente, vigiando cada passo e, pior, cada descompass. E pródigo em julgar e colocar carimbos. Era preciso tomar certos cuidados, pois qualquer simples diversão poderia virar uma orgia desenfreada aos olhos de “Die Leute”. E aí sobrava...

Os finais de semana começavam realmente no sábado à tarde, pois o comércio fechava e não havia apelação. Diversões havia um tanto, pois as inventávamos, mas, acreditem, cinema era considerado um senhor programa – é, havia cinema - e bater papo após a sessão, no Bar Central, que só conhecíamos como “Dona Helga”, quase obrigatório.

Era bem mais simples e direta a vida na pequena São Bento da lembrança, recheada de bucolismo e ingenuidade. Lembranças são assim, entendo, e por isso as guardamos com tanto zelo, e há que guardá-las, não como desculpas ou choramingos, mas como espaço de reverência e combustível para o futuro.

Ao escrever, vem-me Quintana, com seu poema “Era um lugar”. Aplica-se à São Bento da memória: “Era um lugar em que Deus ainda acreditava na gente.../ Verdade que se ia à missa só para namorar,/ mas tão inocentemente/ que não passava de um jeito, um tanto diferente,/ de rezar/ enquanto, do púlpito, o padre clamava possesso/ contra pecados enormes./ Meu Deus, até o Diabo envergonhava-se./ Afinal de contas, não se estava em nenhuma Babilônia.../ Era, tão só, uma cidade pequena,/ com seus pequenos vícios e suas pequenas virtudes:/ um verdadeiro descanso para a milícia dos Anjos/ com suas espadas de fogo/ - um amor!/ Agora,/ aquela cidadezinha está dormindo para sempre/ em sua redoma azul, em um dos museus do Céu.