ONDE ESTARÁ LEILA ?

Com o calor e a luminosidade do dia sendo arrefecidos em razão do sol estar se dirigindo para o horizonte, crescia nele uma sensação quase bucólica naquele entardecer na Rua Gama Cerqueira. Repentinamente constatou-se nostálgico e sem perceber, foi se ausentando da realidade.

O pé direito criara vida própria... Aliviou a pressão que estaria fazendo sobre o acelerador. Aos poucos a força motriz foi diminuindo, as rodas se aproximando ao meio fio, e à medida que isso acontecia, as lembranças foram se assenhoreando, envolvendo-o num processo de retrospecção involuntária, parando de vez o automóvel que nem ar condicionado tinha.

Teve o ímpeto de acender um cigarro, esquecido que se tornara abstêmio anos antes...

Desligou o motor e refletiu que aquele caminho opcional, que servia como alternativa à avenida carregada fazia parte da sua existência, já que mesmo sem pressa, seu inconsciente o levava a transitar por ele. Olhava agora os fios dos ônibus elétricos, mais à frente, o prédio da padaria Almada e a escada da “barroca”, tinham ficado para traz, havia um minuto e algumas décadas, como se nas medidas fossem tempos iguais.

Nesse interregno entregou-se aos pensamentos; preocupações cotidianas sucumbiram e deram lugar às reminiscências. Deixou-se enveredar pelo caminho que fazia para a escola, pela recordação de ter tirado no estúdio fotográfico a primeira foto com a camisa do Palmeiras, essa sim, verde de verdade, e lembrou-se da turma da bola na rua, na qual Isabel Cristina insistia em formar time com os meninos. Não mais do que por um instante, lembrou tê-la visto anos depois, no aeroporto de Manaus, totalmente feminina e linda.

Nesse enlevo revivia os fatos em detalhes, lembrava-se de cores, de coisas, do tom de voz dos tios que discutiam e vociferavam impropérios, (italianos são assim mesmo) e até do gosto “maledeto” do leite de magnésia e do cheiro da Dona Assunta, uma vizinha que tinha pouco asseio e cara de bruxa. Só não conseguiu retomar a fisionomia do primeiro amor, Leila, por mais que cavoucasse a mente, procurando-a nos mais recônditos e secretos patamares do consciente.

Um pouquinho mais adiante, avistou o número 357. Duas portas de aço (daquelas de enrolar) fechadas, outrora abrigavam o açougue que ladeava o portão da vilinha de três casas. Percebeu que o rosto supostamente angelical de Leila não era o único registro que o tempo conseguira apagar, e já não pode distinguir as moradias. Deu-se conta que esses lapsos não fizeram menos importantes as lembranças, apesar do tempo implacável e do “bric-a-brac” da vida. Se necessário fosse, poderia até mesmo provar isso, pois o derradeiro amor feminino da vida dele, fruto de um acordo com a jovem e compreensiva esposa, também foi chamada Leila, para orgulho e satisfação de pai.

Continuando o sonho acordado, percebeu que ainda reverberavam os bons momentos que tinham vivenciado juntos; nos encontrinhos do corredor, nas brincadeiras, na inocência pueril, e especialmente nas variadas visitas do Papai Noel. Naquele tempo a vida era muito mais plácida, simples mesmo. Não existiam coisas como “Cheese Salada”, fábricas de automóveis, vídeo games, CDs e nem a seleção brasileira de futebol tinha ganho a copa do mundo e embora ele e Leila não soubessem, Juscelino Kubstichek acabara de ser eleito Presidente da República do Brasil, cargo que na ocasião, ensejava caráter reto e probidade do detentor.

Numa das visitas do Papai Noel, chegou o Jeep do exército no saco de presentes. Naquele momento, não poderia atinar que se tratava do seu primeiro carro e do seu segundo amor.

Tendo sorvido os pensamentos, concluiu que o amor essencial nada tem a ver com o plano físico, e que nesses casos, só nesses, faz-se eterno e indestrutível. No último momento, refletiu: Onde estará Leila?

...Deu partida no carro cinqüenta anos mais novo que o Jipinho e seguiu...

Para a Leila, onde ela estiver.

Claudio Fittipaldi – 11/2006 – Revisão 09/2009.

Claudio Fittipaldi
Enviado por Claudio Fittipaldi em 22/09/2009
Reeditado em 16/06/2014
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