A REGRESSÃO

(Texto publicado no jornal Brasil Norte (RR) e no sítio Fontebrasil (DF)

Outrora pacata, a cidadezinha passou a viver dias de violência. O trânsito caótico aponta um dos maiores índices de mortes por acidentes automobilísticos do país; estupros são manchetes diárias nos jornais; galeras se matando com terçados e armas caseiras são assuntos corriqueiros; prisões por tráfico de drogas são feijão-com-arroz; agressões contra mulheres não chamam mais a atenção; etc, etc, etc.

Os cidadãos, acostumados com o noticiário criminoso restrito aos bairros periféricos, bebiam o sangue das páginas policiais dos jornais: - Isso é coisa de subúrbio; aqui no nosso meio estas coisas não acontecem -, diziam.

“PSIQUIATRA É MORTO COM OITO TIROS”. A manchete e o mistério que envolviam a notícia abalaram a classe média do lugarejo. O trágico assassinato do conceituado psiquiatra era assunto em todas as mesas de bares e quaisquer reuniões.

Bar do Dedinho, onze da noite, a cerveja corria solta e quatro amigos estavam perdidos nos papos os mais variados. De repente veio à baila a morte do médico. Gláubio, que havia chegado de viagem naquela tarde, estava por fora dos acontecimentos:

- Quem era esse cara?

- Aquele psiquiatra bigodudo que tem uma cabine-dupla prateada... Ele tinha um caso com a mulher do Canhoto... – Em cidade pequena, todos conhecem os detalhes mais íntimos e mais sórdidos da vida de seus pares. – O consultório dele ficava ali vizinho à casa da casa da Maria Coça-coça, entre a casa do Batata e do Calango... Ele tinha muitos clientes e fazia uns tratamentos usando regressão...

- Regressão? Num sei o que é isso não...

- Ele aplicava uns medicamentos importados e, com ajuda de hipnose, fazia seus pacientes dormir e regredir mentalmente 5, 10, 15, 20 anos... Através desse trabalho de regressão ele, no passado do cliente, encontrava a causa do mal que o afligia e, conhecendo esta causa, dava início ao trabalho de cura...

Depois de pensar um pouco, Gláubio tomou um copo de cerveja e, mostrando-se interessado no assunto, levou adiante a conversa:

- E aqui na cidade, tem mais alguém que faça essa tal de regressão?

João Sacadura, surpreso com o desconhecimento e a curiosidade do amigo sobre o assunto, falou:

- Eu acho que não... Por quê?

- É que eu tava pensando...: se eu arranjasse um médico que fizesse regressão eu ia fazê-la... Queria que ele me fizesse regredir cinco..., dez..., quinze anos... Quando ele chegasse no meu tempo de solteiro, eu diria “Tá bom... Pode parar, doutor! Essa é a melhor fase da minha vida e faço questão de estacionar por aqui”.

e-mail: zepinheiro1@ibest.com.br

Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 26/06/2006
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