ALI DE MINEIRO

Um caminhante, num determinado ponto de sua caminhada, ficou indeciso sobre qual rumo seguir ao deparar com uma encruzilhada. Parou um instante, procurou um local mais elevado e

sentou-se numa rocha mais alta, com vista panorâmica de 360º. Ao

observar ao seu redor, por sinal, que bela paisagem ele contemplava!

Observando aquela paisagem ele procurava se localizar, quando avistou à sua frente, sentido Norte, uma casinha amarela de janelas e portas azuis, saindo pela chaminé, uma tênue fumaça que inspirava aconchego...

Ao aproximar-se do local, viu no terreiro um homem aparentando

uns 55 anos, num estilo rigorosamente caipira, sentado num rústico

banco, à sombra d'uma frondosa mangueira, pitando um rolão -fumo do bom-, vagando na imensidão do seu pensamento...O caminhante, na sua necessidade de informação, interrompeu aquela tranqulidade zen e gritou:

_Hei moço! Boa tarde! Osenhor pode me dar uma informação?

_Tardi! Si acumodi prá cá! U sinhô tá predidu?

_Eu estou com uma dúvida! Onde é o caminho mais curto prá se chegar à Serra do Gavião?

_Há! Qualé a sua graça? Ieu vô ti ispricá como si chega na Serra du Gavião. É logo ali! ( Apontou ao longe!)

_Meu nome é Delei. E o seu?

_U povu mi chama di Sô Santo!

Ambos:

_ É um prazer!

_ Bão! A Serra du Gavião é logo ali!

_ Ali onde?

_ U sinhô tá venu aquela serra pontuda?

_ Há sim! Estou vendo! É lá?

_ Não! Ali é a Serra da Bicha!

_ Da Bicha?

_É! Mas num si avexi não sinhô qui num é a bicha cu sinhô tá pensanu não!

_ Mas porque Serra da Bicha?

_É pruque lá tinha cada baita de bicha grandi qui assustava todu mundu. Elas cumia bizerro, cabrito, viado, galinha, tinha bicha tão grandi qui cumia inté boi i si achava gente distraída cumia também. Ieu

qui num sô bobo, num triscava os pé prás bandas de lá...

_ Mas que bicha ou bicho grande era esse? Ainda tem por lá?

_ Uai sô Delei! U sinhô tá cu medo? Num si assusti não...u povo foi cheganu, cortanu us matu i dispois foi ponu fogo; aí as bicha se assustaru i foru tudin imbora. Num ficô nem uma oncinha!...

_ Há! Agora entendi! É Serra da Bicha porque tinha muita onça por lá!

_ Istu mermu! Inté qui u sinhô é ispertu! Pois é, intonci u sinhô dispois qui virá a Bicha, u sinhô vai avistá otra serra, a Serra da Gurita. U sinhô vai quasi virá ela, mas num vira não. U sinhô pega um ataio qui ela vai ficá na sua direitia. Já já u sinhô chega lá. É logo ali!

_Puxa! Seu Santo! O senhor chama isto tudo de logo ali?

_Uai sô Delei! Essi lugar cu sinhô prumodi tá querenu í num é longe não uai!

_Como assim não é longe? O senhor disse para eu virar a Serra da Bicha e depois quando avistar a Serra da Gurita, eu deixá-la á minha direita...

_Ora! Mas ieu aindia nu acabei a ispricação sô Delei!

_Não?!? Seu Pelegrino?

_Não! Faiz u siguinti: U sinhô que dá uma baforada aqui no meu rolão, é fumu du bão! Aí o sinhô relaxa...

O senhor Delei, sem melhor opção naquela imensidão de mundo, logo aceitou o convite de dar uma baforada no rolão do caipira sô Santo.

_ Há! Me dá uma tragadinha só!

O caipira passou o rolão para ele , e Delei, deu a primeira tragada, as bolas dos seus olhos giraram, uma no sentido horário e outra no sentido anti-horário...Ele só não caiu porque estava sentado no rústico banco, à sombra da frondosa mangueira, ao lado do seu anfitrião e informante, o seu Santo. O caipira faltando alguns dentes, falou sorridente:

_Vixi Maria! Os zóio du sinhô tá arregaladu i verméiu qui nem zóio di curuja.

_É que este fumo é muito forte! Parece até burro bravo!

_ É prantação daqui mermu...

_É forte mas é bom! Gostei!

_Intonci moçu, continuanu a ispricação, dispois cu sinhô virá a Serra da Bicha i passá pertio da Serra da Gurita, u sinhô vai siguinu inté depará com uma mata, é só sigui a tria, atraveçá a mata qui lá na frenti u sinhô vai dá num rio...

_Eu vou dar no rio? que prosa ruim seu Pelegrino!

_Não seu Delei! Num é dessi dá cô tô falanu não! Condu u sinhô chegá no rio é só atraveçá a pinguela, ela balança mas num cai; aí dispois u sinhô vira a direitia e segui in frenti, atraveça a vargi i condu avistá um morru, u sinhô sobi ele i dispois desci do otro ladu. Quando chegá lá imbaxu, u sinhô pega a tria da isquerda i segui in frenti, essi ataio incurta mutio u caminhu, dispois é só andá mais um tiquin di nada cu sinhô vai acabá danu na Serra du Gavião. É logo ali!...

O senhor Delei, perplexo com o tamanhão do ali do mineiro seu Santo, chegou até pensar em voltar. Todavia, lembrou-se que para chegar ao topo da montanha, não devemos preocupar com as pedras do caminho, e decidiu seguir rumo ao seu destino. Despediu-se do simpático nativo:

_ Muito obrigado seu Santo! O senhor foi muito gentil!

Caracterizado pela hospitalidade mineira, o caipira tranquilizou o caminhante que já estava até mais calmo após outras baforadas no rolão e disse:

_ Ô seu Delei! Já tá meiu tardi! Si acumodi prá qui hoji! Tem uma linda cachuera pertin daqui. U sinhô toma um café cum nóis, dromi aqui mermu i di manhã cedu u sinhô segui viaji. É só num arrepará! A casa é di pobri mas é tudin limpim...a minha muié i as minha fia tão lá na fonti lavanu rôpa. Já já elas chega i ajeitia um café prá nóis. Incontu istu nóis vai lá na cachuera.

_ Nossa seu Santo! Quanta gentileza! É por isto que o Brasil inteiro fala da hospitalidade mineira! Eu acho que vou aceitar, estou um pouco cansado. Estou até mesmo precisando de um banho de cachoeira para repor as energias...Eu não vou dar nenhuma alteração. Eu armo minha barraca aqui no terreiro mesmo. Tá tudo bem?

_U sinhô fica a vontadi! Inté bão qui a noiti nóis faiz uma fogueira i ieu ti ispricu u caminhu bem direitio.

O caipira seu Santo, rabiscou um bilhete para sua esposa e com um espinho de laranjeira, deixou-o pregado na parede de adobe. O bilhete dizia o seguinte:

_"Minha quirida muié fui cum andario na cachuera, eli vai drumi aqui hoji pedi as minina prá ti ajudá fazê uma merenda prá nóis. Nóis vorta já dispois si quizé pódi inté i adiantánu a boia. Abraçú du seu ômi, Santo!"

O senhor Delei deixou sua bagagem num canto e seguiu com o seu Santo rumo á cachoeira. Chegando lá, êxtase! Que cachoeira exuberante! Após mais algumas baforadas e fumaçadas no rolão do caipira, com as bolas dos olhos em intenso giro, a cabeça nas nuvens, o corpo na água e os pés suspensos, ele não sabia se era um peixe para nadar, um pássaro para voar ou uma folha para boiar...Enquanto decidia, ficou ali "flutuando" na água, reabastecendo o corpo e a alma com a mais pura energia...

Mais uma amizade foi selada empaticamente naquele rincão do Brasil, entre um caminhante do Norte e um nativo do Sul, em pleno sertão das Minas Gerais. Isto é globalização!

De volta, já perto da casa, sentiram o cheiro delicioso do café de rapadura que vinha acompanhado do cheiro hipnótico d'um bolo de fubá com queijo. Que lanche! Ao chegarem, o seu Santo, orgulhosamente, apresentou a sua linda família:

_Esta é a minha muié, dona Maria! I estas duas são as nossa fia: Ysabella i Singela.

Três belas caboclas! A esposa e as filhas do Santo!

_ Prazer! Eu sou Delei. Não tive como recusar o convite do seu marido e vou passar esta noite com vocês.

A bela matriarca, a dona Maria, na robustez dos seus 45 anos, respondeu:

_ Fiqui a vontadi! Já tem uma merenda pronta i mais tardi nóis acaba di ajeitar a janta...

Nas devidas proporções do respeito, o senhor Delei ficou encantado com a simpatia e beleza das mulheres daquela família feliz, principal-

mente com as filhas do seu Santo. A solteirice e solidão do Delei borbulharam... Será?

E, ao cumprimentar as duas filhas do casal anfitrião, Ysabella de 20 anos e Singela de 17, numa fração de segundos, houve uma troca de um olhar alquímico entre ele e Ysabella, que o fez relaxar ainda mais e até esquecer o tamanho do ali de mineiro.

Após mais algumas horas d'uma animada prosa, dona Maria, anunciou com alegria lá da cozinha:

_ Ô Santo meu ômi quiridu! A janta tá pronta. Chama o moçu prá cumê incontu tá quenti!

_ Ô Maria minha muié quirida! U qui tem aí prá nóis cumê?

_ Ô meu ômi quiridu! Nóiz feiz custelinha di porcu com purnobi, angu, arroiz, feijão preto, cebola i gondó. Tem também uma pimenta de bode arretada!

_ Ô muié! Ocê é uma anju di bão! Meu istomu tá inté roncanu.

O já aconchegado Delei lambeu os beiços! Ao receber nas mãos o prato e garfo que trocou por uma colher, foi ao fogão à lenha servir aquela auspiciosa comida.

O seu Santo perguntou:

_Sô Delei! U sinhô toma uma branquinha? Nóis tem uma da boa!

_ Oh! sim, vou aceitar!

_ Saúde! (Brindaram em duas cabacinhas).

Todos se fartaram e após mais alguns dedinhos de prosa e um caloroso boa noite, cada uma foi para o seu canto e Delei se ajeitou em sua barraca; ainda teve tempo de trocar mais um olhar alquímico com a bela Ysabella...A noite foi longa, os sonhos foram lindos e reveladores, ali naquele simples , belo e aconchegante recanto das Minas Gerais.

No outro dia, bem cedinho, após um saboroso café de rapadura e cuscuz, e mais algumas baforadas de despedida no rolão do seu Santo e agradecimentos; Delei ainda enrolando para sair, a espera de um último olhar alquímico em Ysabella, falou:

_ Muito obrigado seu Santo! Que Deus lhe abençoe pela atenção e pela hospitalidade. Eu voltarei aqui!

_ Não há di que sô Delei! Nóis tamu nesti mundu prá sigui juntu i ajudá os otro conu elis precisá. Assim Deus manda i nóis faiz!

Se abraçaram emocionados!

_ Muito obrigado dona Maria! Desculpem-me pelas amolações...

A senhora é uma cabocla abençoada. Que vocês sejam muito felizes!

_ Ora moçu! U qui é di nóis si nóis num istendê as mão condu os otro pricisa?

O qui nóis vai dizê pru "MOÇU" lá do Céu, condu nóis fô prá lá?

Outro abraço emocionado!

_ Aprendi muito com vocês! Fiquem com Deus que eu já vou indo, porque o meu ali é bem pra lá do longe acolá... vou voando rumo à Serra do Gavião, levando vocês no meu coração...

O coração do senhor Delei dispara, aparecem Ysabella e Singela para se despedirem... todos perceberam os olhares alquímicos e sorriram...O seu Santo deu as últimas instruções:

_Intonci u sinhô intendeu tudin né? É só só sigui as minha ispricação cu sinhô vai acabá danu nu lugar certin...num tem erru não sô Delei, é só sigui in frenti cu sinhô vai acabá danu na Serra du Gavião. É logo ali!...( Apontou para o horizonte longínquo). Vá com Deus!

Dona Maria também deu uma pitadinha de informação, reforçando a explicação do marido:

_ U sinhô intendeu bem as ispricação do meu maridu, é só guardá bem as coisa qui eli ti falô qui u sinhô num vai dá no lugá erradu di jeitio ninhum. É só sigui as ispricação dele qui u sinhô logo logo vai dá lá na Serra du Gavião! É logo ali!...Qui Nossa Sinhora ti guie i ti proteja.

O caminhante, o senhor Delei, logo acostumou com a pureza de intenção das palavras daqueles simpáticos nativos e nem se importava mais com aquele negócio de dar no lugar certo ou errado. Seguiu seu destino rumo à Serra do GavIão. A cada passo lembrava da hospitalidade daquela famílIa e lembrava ainda mais da troca de olhares alquímicos com a bela Ysabella. Ele prometia para si mesmo que voltaria ali para conversar sério com seu Santo e dona Maria. Lógico! Caso Ysabella lhe concedesse a sua mão. Sonhou Delei com o fim da sua solteirice.

O senhor Di Freitas, tinha certeza de que nada ia dar errado, pois ele havia entendido tudo certinho e de acordo como bem informou o casal de nativos, a Serra do Gavião seria logo ali...

Desculpem-me ilustríssimos(as) leitores(as) pela delonga deste texto. É que não teve jeito mesmo de ser menor, pois este texto é um legítimo ali de mineiro e com todo mundo sabe, ali de mineiro é um trem danado de grande, e quem não está acostumado, quando depara com ele de frente, chega até assustar com o tamanho dele. Mas é só seguir os trilhos que o trem grande leva você em seu destino. Logo logo! Pois ali de mineiro não é aqui nem cá, é bem lá! Óh! Minas Gerais quem te conhece não esqueces jamais!...DO ALI DE MINEIRO...

FIM!