Brincando com fogo

A realidade é cruel para muitas pessoas, principalmente para aquelas que estão jogadas ao léu, dormindo pelas calçadas da vida, sem agasalho, sem teto para morar, sem perspectiva alguma de futuro. Pessoas assim são usadas, visadas, massacradas, ignoradas e rotuladas como lixo, como “nada” ou como uma “realidade virtual” que deve ser humilhada e esquecida...

Mas por que escolhi essa temática para aqui compartilhar com vocês? Porque estou triste. Motivo? Uma cena que vi na semana passada, numa das avenidas do centro da minha cidade. Uma cena que merece reflexão em relação ao tempo presente e ao futuro que virá. Bem, me refiro a um casal de mendigos e a uns seis pirralhos de classe média alta que resolveram perturbá-los com objetos próprios da época (festejos juninos): pequenos busca-pés. Naquele momento exato, eu passava bem próximo a eles. A cena me chocou.

Os meninos colocaram fogo nos busca-pés e jogaram sobre o casal de maltrapilhos. Ambos estavam deitados, debaixo de uma árvore. Quanta maldade! E olha que eram apenas crianças, imagine esse tipo de gente quando crescer o que serão capazes de fazer! Outra coisa interessante: a violência e a impiedade por parte de algumas pessoas não é uma tônica das grandes cidades, mas já é uma realidade das pequenas e médias cidades do país. Afinal, minha cidade é de médio porte.

Cena como essa que vi, é comum nos grandes centros. Tão natural que não choca mais ninguém. A pós-modernidade se encarrega de deixar tudo tão natural. Assim como a TV, o cinema, os jornais, as revistas, os meios de comunicação, em grande parte, também são disseminadores da violência, da banalidade, do erotismo, da futilidade, do fuxico, da destruição do ambiente familiar...

Ainda ouço as vozes daquelas crianças (ficaram registradas no arquivo da minha memória), os sorrisos, o incentivo entre eles mesmos para repetirem a tarefa maldosa. Naquela noite segui meu caminho, triste, pensativo, pois se “as crianças são o futuro do país” e da minha cidade - “aquelas” me deixaram preocupado.

Por volta das dez e meia da noite, retornei ao mesmo local da cena. Os meninos não estavam mais lá (ainda bem...), mas o casal estava dormindo ao relento... Agora, não havia mais fogos de artifício, mas outra coisa certamente os perturbava: começava a chover!

A realidade é cruel para muitas pessoas. Enquanto uma minoria tem tudo de bom e do melhor, a maioria passa fome, vive na miséria, sobrevivendo às migalhas... E ainda são humilhados. Até os animais irracionais são mais respeitados.

Isto porque somos civilizados (?) e estamos em pleno século XXI.

André Filho Guarabira
Enviado por André Filho Guarabira em 26/06/2006
Reeditado em 12/10/2023
Código do texto: T182638
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