Meu amigo Bin.

Foi numa tarde ensolarada, perto da rodoviária de Cascavel no Paraná. Eu estava esperando a hora de entrar no hotel, já que minha reserva era para depois do meio-dia. Fui prestar o vestibular da universidade local, pois, o curso de medicina é muito concorrido e tinha que tentar , a esmo, em todos os lugares possíveis. Cheguei no ônibus das 4 da manhã e tinha que esperar até às 11. Sem ter o que fazer, fui andar pelas ruas as quais ainda estavam vazias, tentando passar o tempo que parecia que tinha parado. Sentei num banco de praça que ficava nas proximidades. Homem baixo, magro, uma garrafa de vinho numa mão e algo que me pareceu um cigarro na outra sentou ao meu lado. Cumprimentou-me num sotaque estranho que eu quase não entendi. Pareceu-me um pouco abatido, talvez nostálgico.

- O senhor aceita um trago?

- Não obrigado.

Fiquei um pouco assustado, confesso, mas o homem não me pareceu perigoso. Acho que só queria conversar. Um silêncio insuportável aplacou-se sobre mim e então pensei em levantar e sentar em outro lugar.

-Noite fria, não é mesmo? Ontem não estava tão frio assim. Aqui no Brasil o clima é meio imprevisível, não acha?

- Pois, é. Respondi.

Ele tinha dito ¿do Brasil?¿. Foi então que minha dúvida se ele era mesmo estrangeiro se confirmara.

- O senhor não é Brasileiro?

- Não, não sou. Disse meio sonolento. Talvez Bêbado.

E então continuou: Estou aqui já faz quase um ano. Moro naquele hotel ali na esquina, apontou na direção do mesmo hotel que eu esperava a hora de entrar, mas gosto de ficar aqui na rua. Estou acostumado a viver assim, a céu aberto. Desde que parti de minha terra vivo desse modo, bebendo aqui nessa praça. Não tenho amigos aqui, aliás, acho que estou importunando o senhor...

- Não, de jeito nenhum.

A curiosidade me pegou. É Intrigante como quando se está assim sem ter nada pra fazer, a gente acaba se interessando por qualquer coisa. Acho que é o costume de atarefar-se.

- O senhor é de que país?

- Penso que não deveria falar.

- Mas por que não? Ora. Que mal pode haver senhor...?

- Pode me chamar de Ladin.

- Senhor Ladin, continuei, eu sei como é. Eu mesmo já morei 10 anos no Japão e sei bem como é sentir falta da terra natal. O senhor pode ficar sossegado.

- Pois então digo senhor...?

- Gilmar, pode me chamar de Gilmar.

- Que assim seja senhor Gilmar. Venho de muito longe, de uma terra chamada Afeganistão, conhece?

- Sim, ou seja, ouvi falar.

- Pois então, lá eu tinha meus amigos e minha família. Até que um dia...

Ele então começou a hesitar e eu curioso como sempre fui, comprei mais uma garrafa de vinho e depois de quase terminada, os dois já meio bêbados, ele muito mais do que eu, continuamos a conversa.

- Pois como ia lhe dizendo caro amigo (já éramos amigos depois daquele vinho) vim do Afeganistão. Atravessei o Paquistão, cheguei na Índia e só então naveguei até o Brasil. Foi uma viagem dura, caro amigo. Saí fugindo. Passei fome, sede e frio. Mas não me arrependo de nada do que fiz.

- Mas o que o senhor fez de tão grave assim?

- Meu povo é minha Pátria.

- Tá certo Ladin, mas me conte. Qual é o seu crime?

- Mandei meus irmãos voarem e atacarem o filho do demônio. Eles voaram e fizeram o seus papéis.

Eu estava bêbado, mas entendi tudo. Bin Laden? Deve ser alguma piada. Aqui? Fiquei atento.

- Meu povo está cansado. Por muitos anos eles passam fome e os filhos do demônio sugam ainda mais seu sangue. Na vizinha Índia, também. Muitos morrem. Quando mandei aqueles garotos para que jogassem os aviões nas torres gêmeas inventei algumas mentirinhas... Um monte de virgens no paraíso, muita bebida e farra pra todo mundo depois que morressem... Deu uma pausa, achei que ia vomitar, mas ele continuou a me dizer: Claro que senti pena deles, dar a vida dentro daqueles aviões, mas situações extremas merecem atitudes extremas. Veja o seu povo senhor Gilmar, é um povo animado, tranqüilo, mas está totalmente corrompido. Não é culpa deles. A televisão lava os seus cérebros e no fim acabam tomando coca-cola, sendo que seu país tem uma enorme fabricação de refrigerantes muito bons, comendo mac Donald¿s, sendo que os melhores lanches que comi foram aqui na sua terra, comprando nike, por quê? O seu país é um dos maiores fabricantes de calçados do mundo! Exporta para o mundo todo! Imitando o costume e o jeito deles e muitas outras coisas meu amigo. Lembra do Salinas de Gortari? Getúlio Vargas? Fidel Castro? Todos foram financiados por eles afim de terem acesso livre e dominarem tudo. No começo foram as treze colônias, depois foram dominando tudo para o oeste matando índios tomando território do México. Pra conseguir o que querem eles vendem até a mãe. Agora o Iraque, com essa desculpinha de achar armas químicas. Eles são os que têm o maior arsenal químico do mundo! E quem vai invadi-los meu amigo, quem? Nós estamos cansados de sofrer. Eu poderia ser apenas mais um pastor de ovelhas na minha terra, sossegado, mas como ficar tranqüilo com as minhas crianças morrendo assim tão bestamente todos os dias? Como eu já disse antes, quando nós matamos 5 mil deles eles fazem aquela propaganda, dizem que é um absurdo blá, blá, quando morrem milhões aqui de fome, de diarréia, de cólera, tifo, ninguém se importa. Querem o nosso petróleo.

Ouvia a tudo atentamente quando, de repente, ele se virou para o lado e vomitou em cima da barba grisalha. Ajudei-lhe se recompor e a ir de volta para o hotel. Muito forçadamente ele me desejou sorte nas minhas provas e fazia votos para que eu passasse no vestibular. Fiz minha prova e quando voltei para o hotel o porteiro me disse que ele já havia saído, uns homens tinham vindo buscá-lo, apenas me deixou um bilhete e um pacote.

"Querido senhor Gilmar. Desculpe pela minha intransigência, mas tinha que desabafar com alguém. Não se preocupe comigo, pois, estou bem. A nossa conversa foi muito boa. Espero revê-lo novamente, creio que será difícil, mas temos que ter esperanças. Deixo para o senhor uma lembrança. Bin Laden."

Olhei espantado para o embrulho feito com jornal e preso com fita adesiva. Era uma ponte de miniatura, cheia de carrinhos de brinquedo. Acho que era uma réplica da ponte de São Francisco. Dei uma risada inocente e em seguida fiquei pensativo. O que será que o meu amigo Bin vai aprontar dessa vez?...

Gilmar Takano
Enviado por Gilmar Takano em 26/06/2006
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