O flagrante

Wilson Correia*

É a primeira vez que desembarco num tal aeroporto internacional. Ainda na aterrissagem ouvi no recado do comandante que aquele aeroporto fora batizado com o nome de um político. Imagino, ‘en passant’, quais diabos levam certos políticos a colocarem os próprios nomes em tudo o que veem pela frente. Só um pensamento inquieto sobre esses Brasis de poucos, os quais querem se assenhorear de tudo, e de todos nós. Meu eu desejante ansiava mesmo era por alcançar meu destino, tomar um belo banho e descansar; afinal, meus dias naquele solo seriam de verdadeira luta e cansaço, de trabalho e exaustão.

Meio que sôfrego, dirigi-me à esteira. Fiquei putiado quando vi o rasgo de fora a fora na parte superior da minha bolsa, mas adotei o método da irrelevância que me diz que a energia gasta com tentativas de correções desse tipo de incidente não compensa mesmo. Se a companhia aérea não ficaria nem aí para meu probleminha, de igual modo optei por nem me lixar para o estrago na bagagem, ainda que o incômodo fosse inevitável. Peguei minha mala avariada, passei num lanche rápido, forrei o estômago com uma comidinha cara pra burro e me mandei para a parte do saguão por onde os carros passam à espera daqueles que viriam me buscar.

Nem bem ganhei o lado externo e um sujeito aparentando estar entre os vinte e cinco e trinta anos veio ao meu encontro. Desconfiado, não me distanciei muito do vidro que separa o salão inferior da via dentro do aeroporto que recebe os carros. Parei, mas o rapaz não cessou os passos em minha direção. Foi logo me pedindo uma ajuda porque tinha de chegar em uma cidade de uma outra região e faltava não sei quantas dezenas de reais para completar o valor da passagem.

Em ocasiões assim, quando noto que realmente justifica, sempre procuro oferecer o que posso. Comida, água e assemelhados eu não nego, mas dinheiro... complica. Neguei, seca e curtamente. O sujeito se afastou, não sem antes me xingar de todos os nomes sujos e pesados listados no dicionário. Não passaram quatro minutos e lá estava ele, em outro ponto, ao lado de um outro rapaz, esse aparentando ser mais velho que ele uns poucos janeiros. Estranho...

No embalo desse pensamento, retornei curiosíssimo ao interior do aeroporto, já informado pelo celular que o carro vindo me apanhar estava a caminho, mas que ia demorar uns minutos. Zanzei meio sem destino, comprei umas lembrancinhas para pessoas queridas e me coloquei a observar detalhes daquela construção, movido por essa curiosidade meio natural de alguém que só havia visto aquilo tudo pela televisão. Cansei de ir, vir, olhar, desistir, me informar e deixar para depois.

Onde está o artesanato? Fui à cata de outras coisas originais, interessadíssimo em observá-las e ver se eram tudo aquilo de arte e beleza que sempre ouvi acerca delas. Com tanta bugiganga para me entreter, nem mais me lembrava do sujeito que havia me pedido ajuda e de depois tê-lo visto estranhamente acompanhado lá fora.

Meio naquele clima de gato que sai do saco, que é como me sinto sempre em um lugar de primeira vez, tomei a direção no sentido de voltar aonde inicialmente havia ido parar para esperar meus amigos. Um alvoroço imenso fazia ferver o ambiente. Gente, carros, motos, carrinhos de bagagem, viaturas da polícia e nem sei mais que sem número de outros seres agitavam o pedaço.

– Prenderam dois ali – disse-me uma senhorinha, meio como a dizer a mais gente ao redor e como se assomando a nós para angariar a proteção exigida pelo momento.

– Vamos ver – convidou a jovem de ‘piercings’ e cabelo azul, aparentando ser uma garota descolada e também curiosa e interessada no mundo vivido.

Fomos. Lá estão, circundados por policiais, homens e mulheres, o rapaz que havia me abordado como pedinte. O companheiro ao lado dele. Tinham assaltado e estavam em flagrante.

– É... – exclamei – alguma coisa me dizia que eram profissionais...

_________

*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.