Viajando por ali e aqui


Os gatos de Roma (2)
 
Os belíssimos calendários expostos nas lojinhas e bancas de revistas, por toda Roma, chamaram a minha atenção para os gatos. São lindos e de todos os tamanhos e mostram bichanos de todos os tipos, fotografados em vários lugares. Acabei comprando alguns porque são objetos relativamente baratos e fáceis para serem acomodados nas malas. As pessoas que ficam esperam presentes e tenho alguns amigos que consideram o gato o melhor amigo do homem.
Estou com um deles aqui e agora, em minha frente. No mês de Gennaio quatro gatinhos bem individualizados tomam sol resfastelados nas pedras do calçamento frente a uma porta antiga de uma casa antiga em uma cidade antiga. Na soleira da porta, de madeira e vidro, um vaso escuro com folhas verdes e flores vermelhas repousa sobre um prato branco. Na parte envidraçada da porta cortinas brancas, uma delas repuxada, como se assim ficasse continuamente para que olhares curiosos espreitassem o exterior. Ou o interior. Outros gatos me esperam nos meses seguintes: espreitando atrás de uma coluna do Coliseu, tomando sol nos arredores da Praça Argentina, dentro de uma jardineira com folhas secas no peitoril de uma janela no Trastevere, um assustador gato preto no Foro romano, sobre um parapeito, olhando fixamente para o fio de água que escorre de uma bica e em muitas outras situações. Fiquei curiosa e perguntando aqui e ali fui descobrindo alguns detalhes interessantes sobre esse amor romano aos gatos que se espalham por todos os lados.
 
Em Roma, uma lei do começo deste século, protege os gatos que vivem em Praças Públicas, Monumentos, ruas e becos da cidade.  Até aí tudo bem, o que me pareceu esquisito foi ser considerado crime não só quem agride um gato fisicamente como também quem os agride verbalmente. Isso me fez lembrar de um país que conheço muito bem onde as leis são feitas para serem burladas. Como conseguem punir quem ofende os gatos nas mais variadas línguas, pois Roma é uma verdadeira Babel? Será que um simples passa gatinho possa ser considerado agressão? Espero que algum louco edil municipal não queira criar uma lei semelhante por aqui já que os gatos do meu muro são os mais agredidos verbalmente por mim nas noites de insônia.
 
Mas por que os Gatos? As respostas variam – gatos comem os ratos que proliferam nas ruínas, gatos comiam ratos na época da Grande peste contribuindo para salvar seres humanos e gatos serviram de alimento aos romanos durante a segunda guerra mundial. Soube ainda que uma das grandes protetoras dos gatos capitolinos foi a atriz maior, anna magnani que, quando trabalhava em um teatro nas proximidades da Praça Argentina se tomou de amores por eles. Hoje existem grupos de voluntários que trabalham por toda a cidade cuidando da alimentação e saúde física dos gatos.
 
Quando viajo é este tipo de coisa que chama a minha atenção: a possibilidade de conhecer aqueles detalhes da vida de uma cidade que são tratados de forma superficial pelos agentes de turismo, mas que nos levam a conhecer partes da alma do povo que ali vive.
 
Isso me levou a lembrar o meu conceito sobre a verdade: um cristal multifacetado da qual percebemos as faces, mas não o todo. Apliquei esse conceito principalmente ao comparar apreciações sobre as cidades visitadas – cada pessoa vê a cidade de um jeito diferente conforme seus olhos são capazes de ver. E cada um de nós também a vê conforme o modo como chegamos até a ela: de classe econômica, Executiva ou Primeira Classe. Ou ainda, em seu jatinho ou iate particular.