Faces e olhares da cidade esperança..

Passos largos, apressados, em direção a massa que segue compenetrada em seus afazeres, em suas responsabilidades diárias..

No céu, nuvens carregadas, cinzentas, acompanhadas do cortante frio que faz no descampado vale do Anhangabaú, em tardes típicas do bom e velho frio paulistano..

Pessoas se agrupam em lotados pontos de ônibus, em busca de espaço para visualizar a aproximação da sua condução, nem sempre vazia, confortável, ou que oferecesse uma condição mínima de uso, porém, nem sempre isso é possível, ou quase não é possível..

Caminho em direção ao metrô, e as costumeiras cenas de uma metrópole como São Paulo me incomodam, não apenas pela indiferença com que as pessoas e os governantes lidam com a situação, mas por perceber também como o abandono para com mendigos, crianças de rua, e outras tantas sem abrigos, e suas faltas de perspectivas, com seus imundos cobertores fedorentos e fisionomias desgastadas, acabadas, já estão incorporados ao nosso cenário..

Muitos vivem encolhidos num canto de muro, protegidos por finos papelões, alguns com o olhar voltado ao movimento circulante, outros, cabisbaixos, talvez em busca de uma saída, ou conformados,quem sabe. Camelôs e ambulantes com seus balcões móveis e bugigangas dividem o espaço das calçadas com os pedrestes, uns se irritam com os inevitáveis encontrões, esbarrões, outros, param e compram alguma coisa, mas também é algo que já se tornou habitual em nosso cotidiano, se certo ou errado, enfim, lá estão, e ganham a vida assim.

Na verdade, o que há em comum a tudo isso, é a indiferença de todos que por ali passam, suas caras em geral fechadas, preocupadas, poucos sorriem ou se cumprimentam cordialmente.. Caminham fechados em seus problemas em busca de uma miraculosa solução, ou desesperados em busca de um desfecho satisfatório.. Em meio disso, as dívidas, as contas do mês, a escola dos filhos, o plano de saúde da mãe e da mulher, e a figura do irritante chefe, que com certeza lhe cobrará os resultados do seu trabalho, mesmo ciente que as condições para o desenvolvimento de suas tarefas são precárias e lhe proporciona o surgimento a cada mês de um novo fio de cabelo branco, nem sempre vindo do reconhecimento pelo seu bom desempenho.

Já na plataforma, me deparo com um grupo de jovens, alheios a tudo isso, sorridentes, cada qual com sua apostila do cursinho, em acalorada discussão sobre os principais temas do dia aprendidos, em suas roupas da moda, calças jeans e tênis Nike predominantes, descobridores de um novo universo e capazes de transformações sociais, políticas e culturais dignas do mais ilustre sonhador, bem ao estilo Lennon, com suas idéias que variam desde as novas descobertas da teoria da evolução, passando pelo significado da coluna Prestes e revolução marxista, até enfim concordarem sobre a certeza absoluta da primeira lei de Newton. Aproxima-se deles, um menino de pés descalços, roupas maltrapilhas, e de discurso feito, a pedir um real pra comer alguma coisa, e como que conformado já com a resposta, se assusta quando um dos jovens lhe dá uma nota de cinco reais. Sai em disparada, nem teve tempo de agradecer, tamanha felicidade !! Apenas não se sabe de fato qual será o destino do dinheiro, em quê será empregado, o certo é que isso nos torna mais humanos em SP, saber que poucos saem do seu egoísmo, poucos de fato ajudam uns aos outros, de coração, sem pedir nada em troca. Bom, é certo que em todo lugar, há pessoas que se preocupam com o bem-estar do próximo, que ajudam os mais carentes, que saem em nossas madrugadas frias com panelões de sopas a serem oferecidas aos mendigos, que ajudam instituições de caridade no mais alto e sigiloso anonimato,ou que frequentam assiduamente as instituições que cuidam de crianças com câncer, ou asilos de velhinhos abandonados, que não se preocupam em apenas dar ouvido pra quem está se sentindo tão só, mas no metrô de SP, em horário de rush, essa pessoa é apenas mais uma desapercebida entre milhares de olhares e pensamentos, vazios e solitários, decorrentes da desgastante rotina progressista paulistana..

Desisto de pegar o metrô, que por sinal, passa lotado, em uma frenética luta pelo mínimo espaço no vagão, então, me lembrei que talvez fosse melhor aguardar mais um pouco, ou tentar pegar um ônibus, e no meio do caminho, vejo um hippie sentado no chão, com uma toalha estendida e seus artesanatos todos espalhados, ao lado de uma loja de música, sem movimento, que por coincidência ou não, tocava S.O.S, do nosso grande e maluco cantor e compositor Raul Seixas. Hã, cena engraçada, enfim, abri o sorriso, tirei aquela cara fechada, porque de fato achei muita coincidência um hippie sentado em frente a uma loja de músicas, sem movimento, onde tocava Raul Seixas. É.. São Paulo apesar da sua frieza e distância, ainda tem disso, é capaz de enxergarmos além dos ternos e gravatas, minissaias e vestes sociais, alguém apenas em busca do que a vida tem pra oferecer, nem aí pra nada..

Já dentro do ônibus, analiso o meu redor, pessoas com olhares distantes, pensativas, tristes e não realizadas, em sua maioria, senhoras e senhores cansados de mais um dia, fisionomias abatidas e envelhecidas pela desilusão, a esperarem pela boa alma que cederá seu lugar para poderem sentar e prosseguir sua viagem até suas casas, comerem suas jantas, deitarem cedo, acordarem mais cedo ainda, e voltarem a fazer o mesmo itinerário de sempre, em suas cansativas conduções, a espera da chegada do fim de semana, e assim poderem descansar um pouco mais, e acordarem um pouco mais tarde, que cai como um oásis em meio ao deserto.

Uma senhora, gentil e educada, dirige a palavra a mim, sorridente, e me pergunta se está tudo bem.

Digo que sim, que está, apesar de assustado pelo fato de uma "estranha" ter falado comigo...

Então, essa senhora fica conversando comigo, alegre, sorridente, simpatissíssima e educada, contando-me sobre as travessuras e a felicidade que seus netos lhe proporcionam, enquanto o ônibus segue seu trajeto, sempre vagarosamente em virtude do forte congestionamento do horário, enquanto ao nosso lado, uma outra senhora resmunga do rapaz sentado no banco, que fingiu dormir ao vê-la, para não precisar ceder seu lugar....

Daniel Rodrigues Barboza
Enviado por Daniel Rodrigues Barboza em 28/06/2006
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