Viajando por ali e aqui
 
Simplesmente Maria (3)
 
Quando nasci nenhum anjo olhou torto pra mim, mas mesmo assim escolheram o nome de minhas avós para me darem. Não seria nada demais se os nomes simples, ao se tornarem composto, não tivesse ficado muito pomposo para uma menininha rechonchuda e chorona. Optaram então por me chamarem pelo primeiro, simplesmente Maria. E então eu fui crescendo e o nome composto se tornando mais adequado e assim passaram a me chamar, pelos dois ou até apenas pelo último já que o primeiro tão simples era o nome de tantas. Outras variações foram acrescentadas e eu atendendo conforme as vozes que me chamavam. Mas algo ficou bem estabelecido: Pai, Mãe, Irmãos do sexo masculino, parentes mais chegados e todos que me conheceram no lugarejo onde nasci até hoje só me chamam Maria. Eu não ligo, mas também não me sinto assim tão simplesmente identificada, parece que é outra, não sou eu. E eis que resolvo viajar com quem me chama simplesmente Maria e então para todos os outros simplesmente Maria me tornei. Duvido que qualquer um deles ao se lembrarem dessa jornada, caminho que juntos fizemos, se lembrem de meu segundo nome.
 
E tudo isso vem a propósito de que? Vem a propósito de dizer que viajando pela Europa comprei, na terra dos relógios, do canivete e do chocolate, um anel esquisito, de acrílico preto, com o nome Maria escrito nas profundezas, com letras brancas. Eu, que não me sinto simplesmente Maria agora carrego um anel no dedo mindinho, um anel  escorregando porque está largo e que mais dia menos dia vou perder. Aliás, por onde passei, parece ser uma mania – objetos com nomes de pessoas gravados, pulseiras, anéis, chaveiros, toda essa parafernália consumista para que ao vermos, a lembrança de alguém nos faça comprá-los e possamos dizer ao chegar: veja, fui viajar e lembrei-me de você. E o pobre coitado pelo menos por algum tempo vai ter que usá-lo para se tornar agradecido. Mas eu não comprei só esse anel. Comprei também um pente preto do tamanho exato para caber na minha necessaire  porque o meu sumiu (mas já foi achado) no meio da confusão que se instalou na minha mala e eu de forma alguma poderia andar despenteada no primeiro mundo. Comprei também uma bolsinha porta níqueis, preta com uma cruz vermelha símbolo da suíça, mas que por aqui todos vão pensar na Cruz Vermelha imaginando que sou voluntária ou coisa do tipo. Nada mais do que isso. Comprei em Lucerna, ou Luzern, onde passamos uma noite muito agradável e as compras que fiz foi em uma loja que, não sei porque, se chama Casagrande. Assim mesmo, Casagrande. Não achei quem me explicasse a razão do nome.
 
Fico aqui pensando que a rápida passagem pela suíça foi a mais linda de minha viagem. No entanto nada comprei de significativo nem mesmo tirei uma foto. A razão é que fiquei embasbacada com a beleza da natureza e como uma tonta eu só queria olhar e sentir. Os Alpes, os lagos, as pequenas comunidades, a vegetação. O ônibus atravessava um túnel e de repente estava lá – a montanha verde por onde escorria um quilométrico filete de água. E lá no alto uma casinha na qual parecia impossível chegar. Só não vi as neves eternas e, se não as vi é porque não são tão eternas assim.
Lucerna é uma cidade linda com mais ou menos sessenta mil habitantes que falam o alemão. As pessoas andam tranquilamente pelas ruas e deu gosto vê-las, no fim da tarde se dirigindo aos seus destinos ou simplesmente passeando: velhos, adultos, jovens e crianças. A arquitetura é linda e muitas casas têm as janelas pintadas de azul e branco – descobri que todas elas, ou pertencem ao poder público ou tem valor histórico. Quisera ter passado mais tempo ali para ver o que não vi, mas sei que existe. Hospedei-me no Grande Hotel Europa, uma magnífica construção do século xix e da janela aberta pude sentir a brisa fria que anunciava a chegada do outono. Pude sentir que vale a pena viver sendo simplesmente Maria ou não. Lavras. 29 de setembro de 2009