MANUAL VOLUNTÁRIO PARA FÉRIAS

Depois de dias e dias trabalhando num pique intenso, estressado até não poder mais e sem relaxar um só minuto, eis que me vejo de férias. Nada como começar as férias com 12 horas de sono. Hoje é meu primeiro santo dia de quatro semanas de pura falta do que fazer, sem hora, cronograma, prazos a respeitar e com direito a muita preguiça.

O problema é que eu ainda não consigo me sentir relaxado. Parece que estou "matando trabalho" e que eu tô fazendo alguma coisa errada e que não deveria estar aqui, à toa, com os pés enfiando nas meias e o cabelo todo emaranhado. Conseqüentemente não relaxo, entretanto me dá uma vontade de não fazer coisa alguma. Na verdade, eu precisava ir para um lugar paradisíaco no meio do nada, talvez numa praia deserta, para desacelerar, para aprender a andar devagar e medir o tempo olhando o ponteiro do relógio passar de segundo em segundo. Longe de telefone, longe de ônibus lotado, internet, computador, televisão, celular e do trânsito. Deste último sim, eu precisava me livrar imediatamente. Resumindo preciso desligar tudo e girar a roda e voltar tudo outra vez, aonde a felicidade deu lugar à pressa. Minha cabeça quase dói, de tão cheia que tá. Preciso esvaziá-la urgentemente.

Quero visitar minha mãe. Dar de cara com uma nova receita de uma torta que ela tenha aprendido a fazer recentemente e que só precisava do aval do filho que andava distante. Detalhe vou fingir que conheço todos os ingrediente, avaliando a especiária como um especialista, mas que no fundo, no fundo, eu estou mais tentado a experimentar o que minha adorável mãe fez diante da cumplicidade do fogão do que fazer qualquer julgamento. Quero descansar no sofá da varanda, brincar com o cachorrinho da vizinha e vez ou outra entra em casa e não pára quieto um segundo pulando no meu colo e insistindo para eu correr atrás dele e brincar pelo quintal.

Meu pai coloca o chapéu em cima do rosto como um velho hábito e depois tira um cochilo manso depois do almoço e quase não puxa assunto comigo e eu louco para saber das novidades lá do sítio. Quando eu falo alguma coisa, ele responde monossilabicamente, bem ao estilo do meu pai que sempre falou tão pouco. É tão bom olhar para ele e ver que por coincidência genética, serei igualzinho a ele quando eu crescer um pouco mais.

Eu relaxo me esticando sob o sol e não penso em nada, em cima da pedra larga de frente para o laguinho que se afunila pela borda, delineada pelos lírios que minha mãe plantava na primavera e que perfumavam as tardes, depois da chuva. Como as acerolas direto do pé, observando os sabiás tomarem banho na fonte que eu trouxe de presente na última vez que estive no sítio e que os passarinhos adoraram. No final do dia sem o menor constrangimento de me ver feliz me esbaldo sem culpa com aquele delicioso composto de pão, hambúrguer, alface, queijo, tomate, sem contar claro, com uma deliciosa cobertura de catchup e maionese. Seria tão bom vivermos sem culpas o resto da vida, já bastando apenas às dificuldades das quais não podemos evitar. Enfim, lanchinho no papinho, voltemos as atividades normais. Leia-se descanso. Bastaria uma vida dessas ou não?

Chegou o final da segunda semana de férias e me vejo entrando finalmente no ritmo da preguiça. É muito bom não ter que fazer nada, não ter compromissos, não ter obrigações, pressões, cobranças. Acho que nunca mais quero voltar a trabalhar e encarar uma vida normal novamente. Não seria nada mal que dinheiro caísse do céu uma vez por ano ou que brotasse em gramas bem verdinhas no quintal de casa, pelo menos o suficiente para manter os restaurantes, os cineminhas, DVDs, internet a cabo, comprinhas básicas, contas pra pagas em dia, plano de saúde, academia, revistinhas de fofoca, culinária, palavras cruzadas e o jornal recheado de notícias boas, além de um farto carrinho de supermercado com direito à bebidinhas gostosas, um boa caipirinha, cerveja preta especial, sucos, refrigerante, queijinhos, salames, pães, chocolates e o melhor que todas essas coisinhas maravilhosas não nós engordassem tanto.

Todas aquelas revistas de turismo e ilhas paradisíacas deveriam trabalhar mais para elaboraram um manual de procedimentos para quem resolve tirar quatro semanas de férias com tudo pago. Assim a gente acordaria no dia seguinte procurando as havaianas debaixo da rede pendurada na sacada sob o aroma de água de coco e o suco de laranja com adoçante para eu não esquecer que férias são uma coisa boa, mas vicia.

Viver com conforto é muito bom, né? Um mês de férias sem se preocupar com a vida e já me sinto dono do mundo, ficando aqui imaginando toda uma infinidade de coisas para fazer com todo o tempo para isso, surfando na internet a procura de nada em especial, fazendo carinho no cachorro, ouvindo músicas alegres e deitado sem culpa no sofá da sala a tarde toda, vendo televisão, curtindo séries antigas, novas, filmes de todos os tipos, zapeando na TV até adormecer. Como é tão simples a minha real necessidade de ser feliz.

Embora, não exista realmente um manual parecido com este, vou fechar os meus olhos no começo da tarde e só acordar com o bolo de fubá com erva doce queimando a toalha da mesa.

Um dia vou ensinar ao meu filho a maneira certa de se viver essa vida, sem tanta pressa de querer tudo para ontem. A vida termina no dia seguinte ao que você planeja viver para sempre, pra quê guardar tudo para um dia especial que pode não chegar?

Eu quero mais é descanso, sem me preocupar com a crise do senado e nem se no twitter só tiver 12 seguidores, igual a Jesus Cristo, o que importa na verdade é que o meu número de leitores aumente a cada dia.

Enfim, me bastou um dia de férias e já me sinto um adolescente de novo.

Joel Thrinidad
Enviado por Joel Thrinidad em 30/09/2009
Reeditado em 06/09/2013
Código do texto: T1840641
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