Primeiro o emprego, depois a árvore

Quem, há dez anos, teria coragem de dizer a um norte-americano que a festa acabaria logo, que as casas e mansões compradas com financiamento de 200 %, 300% ou mais ainda, seriam vendidas por bem menos de seu valor real? Quem, em sã consciência, afirmaria que a maior economia do mundo entraria em colapso? Que exportar para os Estados Unidos não seria mais garantia de coisa alguma? A pródiga cornucópia americana era considerada inesgotável, irretocável, inatingível, apesar da farra dos cartões de crédito, do fantasioso lastro da moeda, da economia baseada tão fortemente nos serviços que a produção era quase toda terceirizada e assim por diante. Ninguém acreditava, mas aconteceu e o mundo inteiro está a pagar pela insensatez.

O mesmo raciocínio torto se aplica à questão dos recursos naturais: o homem, centro da criação por determinação divina, conforme alguns, e animal mais inteligente, conforme outros, baseia sua ação em duas premissas tão verdadeiras quanto a democracia hondurenha: ao homem tudo é permitido e os recursos naturais são inesgotáveis. Ah! Muita coisa mudou, dirão muitos. Sim, existe uma consciência muito maior, sem dúvida, mas, no fundo, no fundo, continua-se a fazer a mesma coisa: o homem tem primazia, se é para o conforto humano, quase tudo se justifica, se é para matar a fome ou dar um teto, tudo.

Sei que quem o disse não pensa assim e o fez em forma de brincadeira, devido à ocasião, mas aproveitei a dica. A afirmação, vindo de um amigo: “Primeiro, o emprego, depois a árvore.” Primeiro, o emprego, primeiro, meu dinheiro, primeiro, eu, primeiro, minha família, primeiro, minha casa, primeiro, meu carro, primeiro, meu conforto. E derrubamos morros, invadimos mangues, devastamos florestas, impermeabilizamos solos, invadimos encostas de rios, assassinamos nascentes, queimamos fósseis, emporcalhamos as águas e achamos que tudo existe para nos servir, e agimos como se tudo fosse inesgotável.

Novamente, a natureza mostra sua força, expõe as cicatrizes das imensas agressões que recebeu, ferindo, matando pessoas, destruindo seus patrimônios. De novo, o pranto da natureza ferida provoca o pranto de seus algozes. E ainda aprendemos tão pouco. Quando seremos capazes de acreditar e dizer para que todos escutem e acreditem e aceitem: “Primeiro, a vida e o que é necessário para mantê-la dignamente”?