De volta à rotina

Um câncer de pele, desses que não matam, mas maltratam, me fez sair totalmente da rotina á qual estava habituada. Por bastante tempo fiquei com o braço imobilizado e isto me causou sérios transtornos, sem contar que minha filha me cercava de cuidados e não permitia que eu saísse de casa sem ser acompanhada, para evitar que eu viesse a me machucar (excesso de zelo). Acostumada a ser livre para ir e vir a hora que desejasse, aquela imobilidade me tirou o bom humor, sem contar que as minhas idas à podóloga e à cabeleireira foram suspensas por algum tempo. Como só dispunha de uma mão, já não passava lixa nos pés durante o banho e também as massagens diárias com creme foram suspensas, de forma que quando fui liberada para me movimentar livremente, a minha primeira providência foi ir a podóloga, que cuida dos meus pés há mais ou menos uns catorze anos e que com a sua costumeira solicitude e competência iniciou o seu trabalho. Santo Deus... as minhas unhas estavam mais encravadas do que nunca e a micose havia tomado conta delas. Foi uma batalha que tive que enfrentar. Com delicadeza, mas sem poder evitar que sentisse dor, ela foi removendo a carne morta das laterais das unhas dos dedões dos pés, enquanto eu me retorcia de dor na confortável cadeira. Foi um suplício, chegou a ser mais doloroso do que a cirurgia para a retirada do câncer, pois esta foi feita com anestesia. Porém valeu a pena. Depois de uma reconfortante massagem com creme saí de lá com os pés que pareciam duas plumas.

Agora faltava ir a cabeleireira. Aff! a minha velha amiga

cabeleireira: uma nipônica, sempre sorridente, que está no local há cerca de trinta anos, onde o luxo nunca passou lá, nem pra dizer "oi". As suas manicures, tão antigas quanto os móveis que compõem o salão, simples e modestas, com seus aventais branquinhos, fazem as unhas das velhinhas, clientes antigas, que ali estão a falar mal das noras ou dos desmando dos netos. São as conversas clássicas daquele ambiente, das quais não tomamos parte, nem eu nem a Rosa, a nipônica sorridente, que se desculpa dizendo: "elas não têm mais do que falar, coitadas". Com extrema habilidade corta-me o cabelo, do jeito habitual que eu quero e agradece sorrindo quando recebe o pagamento, com se aquilo fosse um favor que eu lhe estivesse fazendo.

Nipônica sorridente, idade indefinida, salão antigo, móveis jurássicos, manicures lerdas que parecem ter sido colocadas ali para fazerem parte do cenário. Ambiente modesto, limpo, clientes fiéis, arranjos de flores coloridas e o verde de algumas plantas bem cuidadas, casam muito bem com a delicadeza e o sorriso permanente da discretíssima nipônica Rosa.

Lucilia Cavalcanti
Enviado por Lucilia Cavalcanti em 02/10/2009
Reeditado em 03/10/2009
Código do texto: T1844927
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