MÚSICA AO PÉ DAS ÁRVORES
Costuma-se dizer que o mineiro tem poucas opções de lazer e que, na falta do mar, duma bela praia, Belo Horizonte é a “Capital dos Botecos”.
De fato, em Beagá proliferam os barzinhos e as feirinhas de artesanatos, de plantas ornamentais, antiguidades e comidas típicas.
Mas nem só de feiras e botequins vive o mineiro os seus momentos de descontração, as suas horas alegres. Eu prefiro chamar Beagá de a “Capital do Bolero” !
A cidade tem áreas e bons espaços culturais e o belorizontino as curte adoidado, na sua calma dissimulada, no seu não querer querendo, um jeito próprio e característico do povo montanhês.
Na Avenida Bernardo Monteiro, próximo à Faculdade de Medicina, por exemplo, existe um belo lugar, três imensos quarteirões com figueiras centenárias formando bonita alameda, sob cujas copas arma-se um palanque enorme, onde se apresentam as orquestras do projeto “Música ao Pé das Árvores”, promoção da Prefeitura, com patrocínio da Cantina Don Bertolli, da Unimed e outras entidades.
Assim, sempre às terças-feiras, após o expediente do dia, o mineiro se diverte de graça nesse encontro “sui generis”, ouvindo as orquestras no estilo das “big bands” americanas, tocando sucessos antigos e música dançante.
Bebe-se um chope gelado, come-se uma pizza, um churrasquinho, conversa-se com os amigos e se curte um clima de sincera alegria e de alto astral, na mais perfeita ordem, com boa freqüência, sem a bagunça e a promiscuidade que, não raro, costumam existir nesses eventos populares.
Coroas e jovens se misturam, curtindo o som das bandas (cada terça é uma diferente), cantando e dançando numa saudável animação, remexendo-se com grande entusiasmo e disputando cada centímetro quadrado do espaço até as notas finais da última melodia!
Nesse ambiente costumamos estar com colegas de trabalho, para espairecer, após a labuta diária das terças-feiras. O encontro é bom, pois nos faz relaxar, renovando as forças para enfrentar a nossa luta cotidiana.
Uma tarde eu aguardava a chegada dos meus amigos, tomando um chope e observando o movimento. As pessoas chegavam, as mesas e cadeiras sendo dispostas no meio da avenida, sob a copa das árvores, carros estacionando nas proximidades e os músicos da “Orquestra Anos Dourados” já afinando seus instrumentos, preparando-se para a apresentação.
Um saxofone solfejava bonito, emitindo notas graves e agudas, harmonioso, demonstrando arte e perícia do rapaz, duetando com uma clarineta.
Foi quando escureceu de repente, o tempo fechou e caiu um baita toró, espantando a coroada pra dentro da Cantina Don Bertolli. Duas senhoras à minha frente, ensopadas, conversavam alto, reclamando do inusitado temporal:-
“- Pôxa, Dolores, nunca choveu por aqui! Logo hoje que você vem conhecer! ...”
“- Pois é, amiga Vilma! E olhe que vim porque eu soube que o Amadeu tem dançado aqui, sabe?”
“- Ah, é? Com quem? ...”
“- Não sei. Isso é o que pretendo descobrir. Já lhe disse que ele pode vir sozinho,só não admito que dance. E agora me falaram que ele está dançando com uma certa pessoa e ainda fazendo par constante ...”
Esse Amadeu é um sujeito de sorte, pensei com os meus botões. Pois com esse toró não haverá, por certo, exibição da orquestra e ele não será flagrado dançando na praça.
De repente, a chuva parou, o tempo clareou, tudo secou rápido, os músicos voltaram ao palanque e a banda meteu bronca na introdução de uma rumba “caliente” (como diz o Miguel), provocando os casais para o bate-coxa.
Uns afoitos pularam pra frente do palanque (o Amadeu no meio deles?), e já se engalfinharam, exibindo passos estudados, desenvoltos, típicos daquelas danças de salão.
Terminei o meu chope, olhei em volta e não vi nenhum conhecido, dirigi-me ao carro estacionado ali perto e casquei fora, deixando o pobre do Amadeu entregue à sua própria sorte! ...
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