O currículo do homem medíocre

Wilson Correia*

Um currículo é o histórico de um percurso de vida. Por isso, a rigor, não seria o caso deste meu pepino (ou seria abacaxi?): registrar o currículo do homem medíocre.

Como não sou de jogar a toalha à primeira vista, lá vão as principais informações que consegui recolher para traçar o perfil desse tal homem que viveu a meio caminho.

Medíocre é escrito assim mesmo em latim e significa “parco”, “comum”, “insignificante”, “meão”, “mediano”, “meio-termo”, “ordinário”, “sem relevo”, “sofrível”, “vulgar”.

Nasceu Vicente Vitorioso, mas, aos sete anos, deu-se o nome de Meão Meieiro de Ninguém, ocasião em que, de fato, faleceu. Porém, só foi enterrado neste ano corrente, de 1993.

Meão estudou? Aspecto engraçado esse da “vida” dessa personagem, que deixou a escola passar por ele, sem nunca ter se envolvido nela. Não se desenvolveu, nem se realizou.

Fez-se, digamos, o medíocre merecido. Casou-se num formato 3X4 e não foi além dessa moldura. Formou com a mulher um casal no qual ninguém sabia quem arrastava quem.

Com essa sua esposa, Maria Mediana, Meão teve um filho: Meãozinho Júnior, o qual, seguindo o ditado que diz que “Filho de peixe, peixinho é”, esmerou-se em seguir o genitor.

Meão pai mecanizou-se ao longo de mais de 40 anos, em uma ocupação que os vizinhos chamavam de trabalho, mas o fez como o autômato que apenas cumpria regras, normas e quetais.

A palavra que ele abominava era “risco”. O temor maior que ele cultivou foi em relação ao “novo”. Fez-se amigo íntimo do “fatalismo” e a “negatividade” era sua comida principal.

As expressões que sempre saíam da boca de Meão eram as que seguem, pela ordem: “Eu nasci assim”, “Sou assim”, “Vou ser sempre assim”, “Mudança é prá quem tem coragem”.

Viveu morto, sem cair, até a idade de 73 anos. Aspirações? Nada consta. Propósitos? Não se viu nenhum. Projetos? Nada digno de nota. Desejos? Zero. Sonhos? Desconhecia a palavra.

Meão Meieiro de Ninguém caiu por terra hoje. Seu corpo será enterrado no Cemitério Municipal do Homem Pigmeu. O epitáfio que a família lhe fez está numa tábua onde se lê:

Aqui jaz Meão Meieiro de Ninguém. Nasceu em 1920. Morreu em 1927. Foi enterrado em 1993. Adepto do não viver, viu a vida passar. Nada plantou e nada pôde colher.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.