O Domingo.

DOMINGO

Era domingo, todos os domingos eram assim, minha mãe nos acordava, ela era muito católica, e logo dizia, vistam suas roupas, vamos à missa. Meu pai já fazia sua barba, minha mãe ali ajoelhada à minha frente, acabava de me vestir, seus olhos brilhavam ao me olharem.

Morávamos a algumas quadras da igreja, nada tão longe, vejo hoje que não chegava a mil metros, mas para mim, naquela época, eram milhares de quilômetros, nem bem saía e já pedia que meu pai me carregasse.

Meus irmãos, éramos sete, iam entre empurrões, correrias, e apelos de minha mãe para que não se sujassem. Todos iam à igreja, todos os vizinhos, todo o bairro, era como uma marcha, uma caravana.

A igreja era simples, mas ampla, o padre, o coral, o incenso, os cheiros das flores, os vitrais coloridos, os bancos de madeira, as pessoas, todos compunham um quadro, uma pintura medieval, com toda sua perfeição, refeita a cada domingo.

A missa era longa, muitas rezas, incenso, velas, cantos, bênçãos, orações, senta e levanta, ajoelha, um emaranhado de coisas que eu nada entendia, mas minha família estava ali. Havia ainda aquela bola branca que minha mãe e meu pai comiam, parecia tão apetitosa, mas a resposta era a mesma: você deve fazer a primeira comunhão, depois você comunga, seus irmãos mais velhos já fizeram. Mas não me chateava, nada me chateava por mais de trinta segundos.

Hoje não sei mais onde fica a igreja, ou o que seja a missa, meus vizinhos são estranhos, não os conheço. Meus irmãos se foram para longe, viraram cinzas de um passado, se perderam, desapareceram, tornaram-se vultos na minha memória.

Meus pais, Deus os carregou, levou-os consigo.

Agora, já velho, não hesitaria em dar todas as minhas posses, meu patrimônio, meu dinheiro, tudo que tenho, não para voltar, seria pedir demais, mas um domingo, somente um domingo, para novamente poder apreciar todos os vizinhos, o coral, o cheiro do incenso, o padre, a igreja, a alegria de meus irmãos, em seus inocentes sorrisos...

Poder tocar novamente o rosto de meu pai, com aquele cheiro de loção pós-barba, ver seu largo sorriso, sentir a proteção de seus braços fortes, ele era meu herói, meu protetor, era ele quem combatia todos os meus medos e sempre ganhava, ouvir o aconchego de sua voz.

E minha mãe, com seu olhar terno, meigo, vibrante de alegria ao nos ver todos juntos, seus filhos, sua família. Ainda sinto o calor de sua mão junto à minha mão, vejo o brilho de seus olhos ao me fitarem, enquanto vestia minha melhor roupa, era como se ela vestisse seu amor em mim.

Naqueles domingos a felicidade se diluía em sorrisos, palavras, gestos, correrias, cheiros, carinho, união, amizade, amor.

Trocaria toda minha vida por um eterno domingo, aquele domingo, aqueles momentos onde o amor era simples como um domingo.

luciano araujo
Enviado por luciano araujo em 05/10/2009
Reeditado em 20/06/2011
Código do texto: T1849576