Como era antigamente...

Quando meu pai chegou da Itália, trouxe com ele a arte de mexer com caixões de defunto. Lá, ele era “falegname”, profissão que aqui chamamos de carpinteiro. Bastava alguém morrer na pequena cidade de Mormanno e ele era acionado. Junto a um amigo dava a providência - fabricava o caixão em poucas horas.

Poções não tinha funerárias. Em um dos depósitos da loja, mantinha um pequeno estoque de caixões e não exibia ao público porque minha mãe era impressionada com aquelas urnas e isso ele sempre respeitou. Uma das suas manias, quando chegavam caixões de luxo, era fazer a sesta dentro dele para testar o conforto e assim poder recomendar à família do morto. Acredito que isso sempre foi mais um pouco de marketing que propriamente mania. Como todo comerciante, queria a “satisfação” do cliente.

Ainda assim, havia a classe mais pobre que não comprava caixões prontos. Também, ele tinha o material para o “funeral”, como eram chamados os aviamentos para a fabricação do caixão.

Durante a noite e nos finais de semana, sempre aparecia alguém batendo à porta de casa. Ia atender e perguntava se seu Chico podia despachar um funeral. Na maioria das vezes, as pessoas chegavam a cavalo, vinham da “roça”.

Meu pai nunca se negou a atender. Minha mãe sempre pedia para acompanhá-lo e eu ficava ajudando a despachar o pedido. Ouvia a perguntas iniciais de quem tinha morrido, idade, causa e a “graça” da pessoa. Mais triste quando se tratava de criança, chamada de “anjo”.

A partir daí, cortava o pano branco para fazer a mortalha, um metro e meio de cordão de Santo Antônio e completava com um par de meias branca.

Para ornamentar o caixão, o tecido era um morim tingido de azul, usado na parte externa, e morim branco para o forro interno. Dois ou três pares de alças de latão, parafusos e os enfeites de papelão revestidos com papel laminado nos formatos de estrela, palma, anjo, crucifixo e as tiras para serem coladas ao longo do caixão. O pacote de seis unidades de velas era cortesia da loja.

Antes de enrolar o material, somava-se a conta no mesmo papel de embrulho para servir de prova do valor gasto. Se tivesse dinheiro pagava. Senão, ficava fiado e depois a conta seria honrada.

Anos depois vieram as funerárias propriamente ditas. Mas ele não perdia a oportunidade de fabricar um “caixão melhorzinho”, como dizia. Lembro de ter chegado de viagem e encontrado meu pai fabricando um caixão numa área improvisada no fundo da loja, exaltando a perfeição das travas nas quinas laterais (aquela parte mais larga do caixão) e dizendo que aquele era o dele, se a hora chegasse o caixão já estaria pronto. Claro que ele não guardava, vendia e fabricava outro. Ainda bem que não era supersticioso.

Caixa de óculos

Se não havia funerária, menos ainda oftalmologista para indicar o uso correto de lentes – isso só era possível em Conquista.

Em Poções era muito simples. Naturalmente, a pessoa entrava na loja e lá estava uma caixa de sapatos devidamente forrada, cheia de óculos. Dentro dela tinha umas dez unidades com graus variados e uma revista onde já estava separada a página com figura e a outra com texto.

De armação preta e grossa, os óculos iam sendo testados pela pessoa. Se ela não soubesse ler, olhava para a página da figura. O ajuste do foco era na base do braço, regulando a aproximação entre os olhos e a revista.

Lá em casa tinha bem uma meia dúzia desses óculos com graus diversos.

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 06/10/2009
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