AULA DE ARROMBA

Aceitou entusiasmado o convite do reitor para assumir uma matéria recém-criada, destinada a incentivar a cooperação, a interatividade, a criatividade. A primeira chance de se consolidar numa grande instituição de ensino superior.

- É muito fácil o que tens a fazer. O reitor sentou-se na cadeira de couro, apontou o sofá da frente e, assim que o novo professor também sentou-se, continuou seu discurso solene: - A nossa instituição ocupa um lugar de destaque não apenas em nossa região, mas em todo o nosso estado. Quero que os alunos testemunhem que, embora arraigada na tradição, nossa universidade mantém os dois pés na modernidade, na... Parou o discurso, levantou-se, tomou um papel de cima da mesa: - Isso, na multidisciplinaridade, na tecnologia e que contamos com professores altamente qualificados e cheios de mecanismos para prender a atenção dos alunos, incentivando-os a cooperarem.

Ouvia a tudo, esforçando-se para controlar o desconforto causado pelo sapato apertado que machucava o dedo mínimo. Cruzava e descruzava as pernas, pensava em tirá-lo ali mesmo ou quando saísse da sala. A situação o impediu de ouvir integralmente o discurso, gravando apenas o encerramento: - Quero uma aula para entrar na história da faculdade. Uma aula de arromba!

O professor passou os três dias seguintes na frente do computador. Elaborou planilhas, procurou relatórios empresariais, descobriu trabalhos acadêmicos sobre as transformações decorrentes da poluição dos rios, criou uma bibliografia de livros publicados nos últimos seis meses na Inglaterra, na Irlanda, na Itália e na França, pesquisou programas de computador aos quais os alunos acessassem gratuitamente, traçou duas promoções para que os mais destacados durante o semestre gozassem um fim de semana em Florianópolis... – Uma aula de arromba! Uma aula de arromba! As palavras do reitor estrondavam na mente.

Pensava numa aula de arromba de verdade, mas nada de interessante fluía. Voltou ao computador, aperfeiçoou o que já fizera, acrescentando slides de fotos de países da Europa Oriental. Deitou-se angustiado e vislumbrava as reprovações de alunos, de convidados, de professores e do reitor pela aula monótona que ministraria.

Ao chegar à universidade, informado de que ocuparia o anfiteatro. Se as pernas não amoleceram e o coração não disparou, a voz quis dar no pé e o suor – mesmo no frio – invadiu-lhe abruptamente as costas. O reitor subiu ao palco, cumprimentou o público, destacando a presença do prefeito, de um deputado e de um fazendeiro rico, convidou o mais novo contratado e puxou os aplausos que se multiplicavam pelos defeitos acústicos do ambiente.

Acenou para as mais de cento e cinqüenta pessoas reunidas para assisti-lo, gaguejou um pouco e inverteu a ordem da apresentação: os slides que fechariam a aula seriam utilizados no começo. Apertou o controle remoto em direção ao aparelho. Uma, duas, três vezes. Até que alguém indicou a tomada fora do plug.

Pulou do palco, tomada a menos de vinte centímetros e, nervoso pela demora que causava, introduziu-a sem adaptar a pecinha que transformaria os 220 em 110 volts. Voltou ao palco, pegou o controle remoto e antes de ligar o aparelho:

- Preparem-se para algo inesquecível!

Apertou o botão: o slide pipocou, o fogo alastrou-se sobre o aparelho, percorreu o fio e invadiu a rede elétrica, estourou as luzes, queimou os três aparelhos de ar condicionado, contornou a instalação interna, incendiou três microfones e a mesa de som.

Alunos, professores, funcionários e convidados já tinham saído pelas janelas, portas normais e de emergência. Destruíram cadeiras improvisadas entre as poltronas, atropelaram pessoas vagarosas e, do lado de fora do edifício, olhavam boquiabertos o fogo se espalhando e o professor, palestrante da noite, saindo calmamente em direção ao reitor:

- Foi ou não foi uma aula de arromba?

*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis –SP) de 8 de outubro de 2009.