NOSSAS LEMBRANÇAS!
Comecei o dia muito feliz, passeando naquela aldeia do Alentejo;respirava com avidez o cheiro do mato,a brisa suave de verão,a serenidade das ovelhas pastando , despreocupadas do seu destino.
De repente, senti uma sensação opressiva de tristeza e comecei a chorar,os soluços afligindo meus amigos,que estavam felizes por me proporcionar este passeio.
Muitos anos  
e muitos estudos depois descobri o motivo;era o grito do meu inconsciente recordando-me a infância,a fazenda do meu pai,o cheiro de terra,o perfume do alecrim-de-vaqueiro tão comum no Nordeste,mas,existindo também em Portugal,talvez  com outro nome.A saudade da infância e,conseqüentemente,do Brasil,bateu forte.
O inconsciente não perdoa.
Como nos seria impossível relembrarmos e guardarmos no consciente todas as nossas sensações e experiências acumuladas ao longo dos anos, elas ficam adormecidas até que,um dia,por qualquer motivo,afloram sem o nosso querer.
Como o cheiro do sabonete Maja,da Myrurgia,famosa marca espanhola de cosméticos,comum nos anos 60.Quando vejo o sabonete e sinto o cheiro ,volto imediatamente no tempo,há 45 anos atrás,quando nasceu Consuelo,minha primeira filha.Meu pai,avô orgulhoso da primeira neta,me levou uma caixa desses sabonetes,ainda na maternidade.22 anos depois eu desencavei uma caixa não lembro aonde e levei para minha filha,quando nasceu Thiago,seu primeiro filho.Cumpriu-se a tradição apesar do meu velho pai já ter partido para as estrelas.
Voltando a meu pai,impossível não lembrar nossas viagens de jeep,seu carro favorito,para Salvador,vindos da roça.Ele assobiava uma canção do folclore mexicano, Adelita,que Nat King Cole popularizou anos depois;ele assobiava e eu cantava e assim a viagem ficava mais agradável e nem sentíamos os solavancos da estrada.
São tantas as lembranças e muitos os símbolos que as causam!
As músicas de Chico Alves, que eu ouvia da janela da minha casa em Miguel Calmon, vindas de um alto-falante preso num poste, tão comum nas nossas cidades de interior; bem como o incenso que saia  da igreja nas procissões de 8 de Dezembro,dia da Padroeira,nas quais eu participava vestida de anjo,antes dos meus demônios começarem a mostrar as caras.
As lembranças tristes, embora também presentes,ficam mais relegadas ao esquecimento para surgirem depois na forma de recalques,incomodando como um nervo exposto.
Toda vez que entro no Hospital Português, bem à esquerda tem uma escultura de bronze representando a madona abraçando uma criança.
Há 62 anos atrás, meu pai, desesperado ajoelhou-se ali e me abraçou profundamente no âmago do seu desespero;minha mãe estava entre a vida e a morte com placenta prévia enquanto tentava pôr no mundo meu irmãozinho;os médicos conseguiram salvar a mãe,mas,não a criança.
Fico pensando na minha boa estrela que não me permitiu cair na orfandade aos quatro anos de idade.
Assim é. Todos temos os nossos fantasmas e as nossas recordações,que enfeitam nossas vidas e muitas vezes ajudam a forjar nosso destino.
...e eu sinto a minha vida de repente
Presa por uma corda do Inconsciente
A qualquer mão noturna que me guia!
Fernando Pessoa)



Miriam de Sales Oliveira
Enviado por Miriam de Sales Oliveira em 09/10/2009
Código do texto: T1856477
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