Cozinhando para crianças que não comem

Quem já passou pela aflição de ter que alimentar uma criança que não come – principalmente se essa criança é seu filho - sabe do que somos capazes de fazer para que ao menos algumas colheradas de comida atinjam sua boquinha irredutível e cheguem até seu pequeno estômago. Nós mães estamos fartas de saber (pelo pediatra, pela avó, pelos psicólogos, pelo pai racional e irritado e até mesmo pelo nosso pouquíssimo bom senso) que o filho inapetente não morrerá de fome. Essa dura realidade se aplica apenas àquelas infortunadas crianças que não tem mesmo nenhum alimento disponível; mas dói de fato ver o prato cheio sendo posto fora, e imediatamente nos vem à mente a imagem daquelas crianças da idade do nosso filho, ventres volumosos, olhos saltados e quase só pele e osso. Às vezes é com essa realista porém fatigante cantilena (“tanta gente sem comer, e você aí, desperdiçando comida!”) que tentamos, em vão, fazer com que os pimpolhos comam.

Passei por isso com meu filho, que até os seis ou sete anos praticamente não comia; às vezes passava o dia todo apenas um copo de leite ou um mingau. Costumávamos dizer que o ministério das minas e energia iria levá-lo para investigação, pois deveria ter o segredo do motor mais eficiente do mundo – com quase nenhum combustível funcionava o dia inteiro, em plena atividade. E que atividade!

Porém nunca abri a guarda, substituindo a rejeitada dupla arroz-e-feijão por guloseimas nada nutritivas mas facilmente aceitas. Assim, um dia tive uma idéia. Estando em época de copa do mundo e aproveitando de sua paixão pelo futebol e sua imensa curiosidade por outras culturas, elegemos as sextas-feiras como o Dia dos Jantares do Mundo. Com a ajuda dele (e já tendo escolhido receitas fáceis atribuídas a outras nações, de preferência que já estivessem adaptadas ao paladar brasileiro), escrevíamos os nomes dos países, ele desenhava as bandeiras e colocávamos os papéis dobrados num pote. Na sexta pela manhã, sorteávamos o país cuja culinária seria “homenageada” mais tarde, no jantar.

À parte a cozinha italiana, velha conhecida da casa, alguns engodos simplificadores tiveram que ser introduzidos. Reles panquecas tornaram-se ‘crepes’ franceses; salsichas, batatas cozidas e salada de repolho, acompanhados de mostarda, eram uma refeição alemã; um miojo caprichado, com a inclusão de legumes e pedaços de carne, virava um ‘yakissoba’ japonês. Estrogonofe, evidentemente, era russo; hambúrguer, americano; quibes, árabes. Da Inglaterra, puxei uma versão do popular ‘fish and chips’, servindo filés de peixe empanados com batatas fritas – sem esquecer, evidentemente, de colocar vinagre à mesa...

Mas nessa pesquisa, que fiz com grande prazer por adorar tudo o que se refere à culinária, descobri também algumas preciosidades. Acabei arriscando-me a preparar um Goulash húngaro, que nada mais é do que um picadinho de carne num molho à base de páprica, servido com batatas cozidas. A Espanha deu menos trabalho: havia, à época, uma Paella pronta, à qual bastava juntar arroz e cozinhar em fogo baixo. Mas ficou o desejo de preparar uma Paella em casa, desejo esse até hoje não realizado - não sei bem por quê...

O resultado dos tais jantares foi delicioso, em todos os sentidos. Todos nós curtíamos muito, e ele acabava comendo.

Hoje meu filho, já um adulto jovem, come muito e de tudo, sem restrições. Mas confesso que tenho saudades da época em que me empenhava em agradar à mesa. Agora, com menos tempo disponível e sem tantas demandas, às vezes sinto que piso na bola com eles: minha criatividade já não é a mesma, e os jantares muitas vezes deixam a desejar.

Preciso me redimir... quem sabe finalmente me arrisque no preparo da tal Paella? Ou um simples Goulash, mesmo sem páprica. E sem bandeirinha húngara.