ARTE NA ALDEIA

Uma sessão de cinema na Reserva Indígena do Ligeiro, norte do RS, trouxe momentos de harmonia entre grupos rivais na comunidade. ZH de domingo passado. O filme Tainá II – relatando as aventuras de uma indiazinha na defesa da floresta e dos bichos - reacendeu nos indígenas a consciência de grupo, algum valor ancestral. A arte conseguiu o que os argumentos racionais dos interventores não lograram. A tribo encontrou no cinema um sonho comum.

Testemunhei em Nova Bassano-RS, de 26 a 30/6, uma experiência inédita. A 4a Feira do Livro do Colégio Estadual Pe. Cobalchini. Acontecimento raro no RS, diferentemente de outras feiras, promovidas pelo município ou por universidades, a Feira do Livro do Pe. Cobalchini é organizada e sustentada pelos professores e alunos da rede pública. E não pensem em uma feirinha. É uma superfeira preparada pela leitura da obra dos escritores visitantes e com uma estrutura digna dos maiores eventos do gênero. Para que se tenha uma idéia, preparando a feira deste ano, os alunos compraram antecipadamente - e leram- quase três mil livros. Entre meus dois títulos autografei mais de 400 exemplares o que me deixou estufefato. Paredes decoradas, salas bonitas, banheiros limpos, jardim florido, alunos maduros. A leitura transpôs a imaginação e invadiu a realidade. Segundo a diretora Analice e a coordenadora Lúcia, desapareceram os “alunos-problema”. Mais. A experiência motivou a participação de outras escolas e outros municípios vizinhos a partir deste ano.

O poder transfigurante da arte há muito já vem sendo experimentado na psiquiatria. Também em favelas e em comunidades com problemas de violência e marginalização. Contrário da religião e da política, que acirram diferenças e divisões de todas as espécies, a arte consegue, pela sensibilização profunda do espírito, enredar as pessoas em seus sonhos mais profundos, embora nem sempre conhecidos.

A arte, que não possui utilidade nenhuma, tem uma mágica que aflora e purifica afetos, sentimentos, sonhos, medos. A arte - cinema ou literatura, pintura ou música, escultura ou dança - ao mexer com o imaginário, pode tornar os homens e mulheres de um grupo cúmplices de seus projetos mais íntimos.

O jornal Zero Hora relata que, pela primeira vez depois de anos, os indígenas da reserva saíram conversando sem trocar ofensas - ou tiros. Experiência como esta na Reserva Indígena do Ligeiro e em Nova Bassano apontam aos governantes um importante alvo para os investimentos futuros em qualquer cidade, tribo ou aldeia: cultura e arte.

Pablo Morenno
Enviado por Pablo Morenno em 02/07/2006
Reeditado em 03/07/2006
Código do texto: T186379