E então, como ficamos?

Que coisa boa, essa do "ficar". Acho que foi a invenção mais espetacular do ser humano, depois da roda e do chiclete sem açúcar. Imagine você: está com vontade de beijar uma certa pessoa, mas não quer compromisso? Fique! Quer sentir de perto o cheirinho dela, mas não quer ir além? Fique! Quer ir além, mas não quer ninguém no pé? Fique! Os adolescentes não sabem, mas têm nas mãos (maneira de dizer, claro) a solução de alguns problemas adultos que, mais tarde, parecem realmente insolúveis. Nós, os que não tivemos em nossa adolescência a cultura do ficar, sabemos bem disso.

Porém (e sempre há um porém), o ser humano acaba querendo rotular tudo, inclusive as relações; pois parece que, se as coisas têm um nome, tornam-se mais fáceis de serem explicadas, entendidas e aceitas. Só que nesta era virtual nada é solidamente definido; tudo é nebuloso e efêmero, e até os relacionamentos afetivos mudaram de cara – e de nomes.

Por exemplo: “Ficar” poderia ser definido como um namoro instantâneo, com a duração de algumas horas. Que pode ou não se repetir – e, caso se repita, cada um dos dois seria um “ficante”. Já ouvi também o termo “namorante”. Seriam namorados ficantes ou namorados amantes? Bem, certamente trata-se um casal que está ficando em bases um pouco mais sólidas, que saem quase todos os fins de semana, que andam de mãos dadas, vão ao cinema, etc. Principalmente etc. Mas não assumem a palavra “namoro”, pois ela implica em um certo compromisso, e é disso que os jovens (e muitos maduros) fogem como paulistanos da cidade em feriado. Já “namoridos” pressupõem uma vida em comum – são aqueles seres que vivem juntos sem assinar nenhum papel e têm dentro de si o compromisso de não ter compromisso; mas que, de repente, podem ficar juntos por anos.

Poderíamos ter então os “noivantes”, ficantes que pode ser que um dia virem namoridos. Ou então “namoroivos”, namorados meio noivos... claro, também sem compromisso. Tantas são as possibilidades que nos perdemos em neologismos. E nem os neologismos explicam como são esses relacionamentos, até onde vão e o que se espera deles. Indefinição total!

“Sair” também tem uma conotação de relação, e seria um “ficar” menos adolescente. “Estou saindo com tal pessoa” pode tanto querer dizer que o casal está se conhecendo (leia-se: fazendo sexo), como está se iniciando um possível namoro (o que também significa fazer sexo). Mas sair com alguém também pode querer dizer apenas isso: sair. Uma companhia para jantar fora, beber num bar, ir ao teatro ou ao cinema. E, claro, fazer sexo. Mas sem compromisso, entende?

O nosso século realmente facilitou a vida dos solteiros e solteiras de qualquer idade no que tange aos laços, porém em termos de nomenclatura virou uma confusão. Antes, não; os rótulos que identificavam a profundidade da relação eram cristalinos e sua sequência, previsível. Namoro, depois noivado, depois casamento. Pronto. A evolução disso era o divórcio ou a viuvez. Os que escorregavam levavam a alcunha de traidores (e outros nomes menos publicáveis), e o pivô dessa confusão era o ou a amante. Tudo muito simples e bem definido, sem misturas ou complicações.

Assim, se você deixou a adolescência faz tempo, por favor, evite fazer a alguém mais jovem aquela pergunta trivial que toda tia adora: você está namorando? A resposta pode ser intrigante: não, tia, estamos ficando. Ficar, verbo intransitivo - como diria (hoje) Mario de Andrade.