Ó Maitê, Maitê, deixa te dizer um segredo aqui só para nós: os portugueses têm imensa coisa verdadeiramente hilariante, de chorar às lágrimas até. Fazer humor sobre o povo luso é fácil, fácil.
Ó Maitê, Maitê, fartamos de rir de nós próprios, porque com todos os pontos fracos que temos se há coisas boas, mas mesmo boas em Portugal, são os humoristas. É já uma tradição. Não sei se alguma vez ouviste falar em Raul Solnado. Do Gato Fedorento sei que já. Eles também te conhecem, nós sabemos. Os teus quatro amigos comediantes têm feito um programa diário, em plena campanha eleitoral e no seu rescaldo, a brincar com os políticos, no qual os próprios candidatos são os convidados, que tem sido um fartote.
O Bruno Nogueira há dois anos que goza com as nossas singularidades e vicissitudes.
Somos esquisitos, Maitê, somos mesmo.
O que eu não entendi no teu vídeo é o teu sentido de comicidade, o teu discernimento e o teu bom senso.
Vamos lá ver, ir a Sintra, Património da Humanidade mostrar um 3 ao contrário? Eu desculpo-te Maitê, porque eu também não sabia que era um símbolo do esoterismo. Sou mais virada para as ciências. Mas aposto que Fernando Pessoa, que mencionas dentro da Igreja dos Jerónimos, o saberia pois era todo místico.
Ainda uma coisita, descobrir que os pastéis de nata de Belém, os famosos Pastéis de Belém não levam natas não é assim tão interessante. Falaste em freiras mas quem inventou a receita foi um monge que um dia quebrou o voto de silêncio e foi obrigado a ficar uma noite sem dormir na cozinha do mosteiro dos Jerónimos e para se distrair resolveu cozinhar. Isso aprendi noutro dia numa visita guiada para crianças na festinha de aniversário da minha filha de oito anos.
“O Tejo é mais belo que o rio que passa na minha aldeia. Mas o Tejo não é mais belo que o rio que passa na minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que passa na minha aldeia.” Como vês, Maitê o rio Tejo suscita contradições profundas nos portugueses. Até em Alberto Caeiro. Aquilino Ribeiro também ficou espantado com este rio que se misturava com o mar e por isso era salgado. Eu acho que o Tejo sabe a mar. O Tejo cheira a mar. E o Tejo também é mar. Maitê, talvez seja por ser muito esquisita.
Estiveste bem quando falaste em Salazar, Maitê. Foi um ditador. E esteve mais de vinte anos no poder. É que foi mesmo muito mais que vinte anos, Maitê! Mas olha, fica descansada que apesar de uns poucos milhares de portugueses desocupados terem telefonado para a RTP para votar num concurso sem importância e terem eleito o tal personagem o “Maior Português de Sempre” a maioria dos portugueses é de esquerda como se verificou nas eleições deste mês. Estou a falar de eleições legislativas, daquelas a sério mesmo, que colocam partidos no parlamento e no governo. Nestas votamos aos milhões. Salazar já era, Maitê. Ainda bem que aí no Brasil, desde que se livraram de nós nunca mais voltaram a ter ditadores. Ufa!
Mas estou aqui a criticar-te, Maitê, quando no meio disto tudo acabas por fazer um generoso elogio ao vinho português quando mandas um e-mail às tuas queridas colegas em que dizes: não consigo enviar e-mails de Portugal. Eu concordo, Maitê, por vezes é difícil saber parar de beber, tal é a qualidade do néctar dos deuses que por aqui se destila.
Por último, não posso deixar escapar a cuspidela. Maitê, deves ter-te inspirado naquela música dos GNR chamada “Saliva”. Não sabias de certo que era possível fazer do cuspo arte. Mas embora compreendendo o teu espanto legítimo devo alertar-te para o facto de não ser assim tão original. Já vi filmes franceses em que pares românticos se cospem e lambem na cara em cenas de grande dramatismo. Coisas de europeus. Tentaste ser inovadora aí na tua terra. Fracassaste. Para a próxima vez que estiveres junto a um monumento património da humanidade tenta antes deitar um bocado de ranho do nariz. Aposto que serias a primeira pessoa a fazer arte com muco.
Além disso nós, portugueses, sentimo-nos sempre menos ofendidos com a ranhoca do que com o escarro. Somos esquisitos, Maitê!
 
AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 15/10/2009
Reeditado em 15/10/2009
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