Falando de Cuba

Falando de Cuba - Falei de Cuba em texto do mês passado, sem entrar em polêmica sobre questões políticas, pois, não era meu objetivo. Só escreve sobre Marte quem não tem imaginação, não querendo dizer que não seria um sucesso, se considerarmos as histórias de Flash Gordon. Gosto de escrever baseado em experiências vividas e histórias que me são contadas. Quando escrevo tirando textos marcianos de minha cabeça, ficam os mesmos ininteligíveis até para mim. Se Dalva dizia que os americanos não tinham ido à Lua, eu não poderia mudar-lhe a fala; se Dalva dizia que os americanos deixaram Cuba desamparada, lançando-a nos braços dos comunas, posso até omitir, mas nunca alterar o sentido de suas palavras. Afinal quem era Dalva? A citada mulher era uma empregada doméstica que trabalhava em casa de minha mãe, e que tinha concepções inusitadas; gostava de criar projetos de leis e se infiltrar em política internacional. Costumava dizer – não acredite em tudo que a TV mostra, pois, TV é coisa de americanos (não coloco o adjetivo para não perder meu visto), sendo conveniente esperar confirmação em replay. Mas, afinal de contas, Dalva era ela mesma uma figura de livro.

Após o preâmbulo, deixo um relato de minha viagem a Cuba, muito antes da atual abertura política (?); viagem que fiz para ver o mar, cumprimentar o povo, tomar cerveja nos horários não proibidos, entrar na fila dos sorvetes e dançar o mambo, ou quem sabe, encontrar o fantasma de Maria Antonieta Pons?

Como podem ver, um projeto amplo, onde ainda cabia uma série de reuniões técnicas, das quais não interessam os fundamentos. O peso ($) cubano tinha um valor teórico de um dólar; eu que jamais descumpri leis, comprava religiosamente na base de um para um; lógico, que algumas das pessoas, que também viajaram, faziam a troca solicitada pelos espertos – quiere cambiar? 20:1, ou sejam, 20 pesos por um dólar. Imaginem que a punição para moeda falsa, que não era o caso, era prisão perpétua – e estava escrito na moeda papel.

A viagem foi feita via Lima e Kingston, em velhos aviões da série DC10 (?). De qualquer modo, foi uma boa viagem. Fomos bem recebidos pelo Ministro de Cultura ou coisa parecida! Ficamos hospedados num antigo hotel de luxo – antigo Hilton, que tinha sido transformado em Habana Libre! Uma vista maravilhosa, para o Malecón. No dia seguinte à minha chegada, uma “reportera” naturalmente imaginando erradamente ser eu alguém importante, solicitou uma entrevista especial para a Rádio Relógio, que àquela época era o instrumento de divulgação do Estado, assim como, o jornal Gramma. Ela disse que bastava ser brasileiro para ser importante, o que me convenceu a dar uma entrevista rigorosamente política, de aplauso a Cuba aos heróis da Sierra Maestra. Entrei com o meu portunhol, ou seja um arremedo do espanhol que aprendi com o notável Professor Petrônio Mota e com o garoto prodígio Evanildo Bechara, hoje um dos notáveis da Academia Brasileira de Letras.

A entrevista causou uma ótima impressão nos chefões e recebi um convite de Fidel Castro para assistir a inauguração do Centro de Bioengenharia de Havana. Recebi uma cópia da entrevista e, além do convite, um livro de Fidel Castro de nome – La Historia Me Absolverá, Ediciones Políticas – de 1985.

A entrevista , conforme cópia que ainda guardo, e cuja leitura pode ser “pulada” se assim entenderem foi a seguinte:

Reportera Delia, turno manana.- millones de brasileños aplauden la reanudación de relaciones con Cuba. El pueblo cubano representa para los brasileños un simbolo de fuerza de voluntad, perseverancia y confianza en su patria, por eso todos esperabamos con ansiedad el restablecimiento de relaciones que fueron cortadas por la arbitrariedad de un gobierno impopular. Asi declaró emociuonado a radio relojio, el Abrantes Junior del Rio de Rio de Janeiro, al expresar su alegria por el rencuentro entre dos paises hermanos, luego mas de veinte años. Remarcó convencido que la myoria de los millones de brasileños aplaudió con entusiasmo tal medida, porque los habitantes del mayor pays suramericano aman a Cuba de corazón. El delegado brasileño al encuentro bilaterall de Cuba y Brasil significó que estaba feliz por integrar la primera delegacion de especialistas que viajaba a la isla de la libertad luego del historico acontecimiento. Cuando el pueblo vio por la television la entrevista de Fidel con el periodista Roberto Davila tuvo una reación delirante y empezó a gritar Fidel,Fidel, por calles, parques y todo sitio donde estaba puesto el programa, prosiguio Abrantes, que reiteró la gran simpatia de la intelectualidad del Brasil por Cuba y su experiencia politica socialista; desde el momento que apreciamos la receptividad de Fidel durante la entrevista periodistica, esperabamos con ansiedad la reanudacion de relaciones, proseguió Abrantes. Ahora con todo amor puedo asegurar que esto encuentro de brasileños y cubanos marca el inicio de una serie de reuniones técnicas en todas las especialidades, afirmó."

Seguramente a repórter Delia fez confusão, conforme adiantei, pois, quem gritava Fidel nas ruas era o próprio povo cubano ao vê-lo nas ruas de Havana. Segundo eu soube depois, Fidel gostou da minha entrevista, por isso recebi o convite para a inauguração do Centro de bioengenharia.

Inauguração em Havana - Sou uma pessoa bem relacionada com o sol; jamais poderia viver um inverno na Europa, pois, morreria de frio e tédio. Como se eu funcionasse com pilha solar. Havana é uma capital de grande beleza, e não pode ser comparada a nenhuma outra, pelo simples fato, de que não se pode fazer comparações entre uma cidade permanentemente revitalizada e uma outra como Havana, uma cidade decadente pela falta da necessária manutenção; pela falta do dinheiro que rolava na época de Fulgencio Batista! Havana é uma cidade cheia de sol e, por coincidência, neste momento, escuto os acordes da ária para a corda sol de Bach. O sol nasce cedo e se recolhe tarde, quase às 10 da noite, e as noites de Cuba sempre são muito movimentadas. O encontro de trabalho se realizou no Palácio das Convenções de 3ª a 5ª feira. Na 5ª feira houve uma grande reunião com os representantes do povo, mas eu não vi Fidel Castro, que passou o dia inteiro lá. Não me compete discutir o sistema político de Cuba, pois, os órgãos de informação estão cheios delas; verdadeiras ou falsas. Sobre o Palácio de Convenções sós elogios; um belo conjunto; vários salões enormes no centro de um parque; mobiliário de primeira qualidade, poltronas giratórias, microfones individuais no plenário, cabines de tradução simultânea e impecável sistema de som. Toda essa parafernália é controlada por um painel eletrônico que fica na mesa da presidência; quando presidi uma sessão fiquei atrapalhado para controlar o plenário...Falta de hábito! É claro, que tinha grande vontade de conhecer Fidel Castro, e recebi um convite do Presidente para a inauguração do Centro de Engenharia Biogenética. Minha entrevista à radio de Havana causou agrado ao Comandante. Fui à solenidade, fiquei localizado próximo a Fidel, que por sinal, falou cerca de duas horas e quarenta minutos; sol escaldante e eu morrendo de sede e calor. Fidel falou sobre política, de saúde e de ciências em geral; fez considerações de tal ordem, que somente estadista de sua envergadura poderia fazê-lo. Estavam presentes várias personalidades mundiais como o ex-presidente do México Echeverria, o Presidente da Unesco, o Diretor Geral da Organização Mundial de Saúde e outros. Muito se comentou no Brasil sobre um milhão de dólares que Fidel Castro teria dado a um político brasileiro; o Antonio perguntou-lhe se de fato o político tinha recebido os US$. O Comandante desmentiu toda a história – Se tivesse um milhão de dólares sobrando, iria usa-lo fazendo casa para o povo...Fidel encantou a todos discorrendo com maestria sobre vários assuntos, e informou como conseguiu os 60 milhões de dólares para fazer o Centro, dizendo que a maior parte veio de Instituições do USA. Fidel Castro conseguia manter-se como um homem comum, mesmo sendo raro. Fato curioso, é que entre os oradores da inauguração foi anunciado o discurso do operário chefe e outros trabalhadores; a cunhada de Fidel, esposa de Raul Castro também discursou. Raul Castro não compareceu à cerimônia. Hoje é o Chefe do Governo e imagino pelas leituras de jornais e revistas, que pretende aproximar cuba de todos os paises.

Vista de Havana - Da janela de hotel, vejo ao longe, as torres da embaixada da URSS dominando boa parte do litoral; gosto de apreciar de madrugada a ressaca arrebentando as pedras do enrocamento do Malecón. Andei pela cidade velha - Habana vieja, de extrema beleza. Na Avenida Litorânea as construções começam com colunas retas ou tipo capitólio, como tentaram fazer, na avenida Presidente Vargas no Rio. As construções, quase todas de moradia; ainda no centro, próximo à Baia de Havana, há um castelo com fosso e tudo o mais, compondo o romantismo que cerca tais construções; é todo construído de pedra com grandes espaços em seu interior servindo de museu. No centro da cidade, inúmeras sacadas de ferro trabalhado, sempre muito floridas. Artesanato bem desenvolvido, sendo o mais famoso a confecção de charutos. O artesão trabalha, carinhosamente, as folhas de tabaco com uma cola especial e vale a pena apreciar. Atravessei o túnel que passa sob a baia de Havana e fui para o leste, onde predominam as construções populares e as colônias de férias. Amplos gramados com casas esparsamente distribuídas, e destinadas aos operários que se destacam; recebem o lazer como prêmio...Os conjuntos habitacionais têm o mesmo aspecto dos que se vêem no Rio de Janeiro para a classe pobre. Conheci o Palácio de los Niños; uma grande extensão de terra com boas construções, campos de esporte, praia, piscinas etc. para onde vão os alunos que se destacam em alguma atividade, ou mostrem aptidões, como voleibol, basquete, natação, Box etc. Os jovens praianos são como os nossos, boa freqüência lembrando muito a praia do Flamengo... Rádios de pilha, pranchas de surf e outros apetrechos. Na praia em que estive, existe uma grande construção com apartamentos privativos, com ar condicionado e outros confortos, inclusive, dois bons restaurantes, onde comi delicioso peixe frito com batatas e tomei cerveja ao preço total de cinco dólares. Sol forte e águas claras, mas sob ameaça constante de tubarões, o que me atemorizou...Não quis ser personagem de Spielberg e só fiquei na areia, pois, não sou homem de tirar dúvidas com risco de vida. O povo gosta muito de música de ritmo quente, que eu apreciava na adolescência com a glamourosa Maria Antonieta Pons - Se va caimán, se va caimán etc. Caimán quer dizer crocodilo; vou parar com as lembranças para não derramar lágrimas de caimán! Evidentemente, não poderia de visitar La Bodeguita, onde vi rondando o espírito de Ernest Hemingway, escritor americano que viveu em Cuba em 1952, onde escreveu O Velho e o Mar e ganhou o Nobel de literatura.