Como matar a poesia

“Mataram minha poesia”, revoltou-me o pensamento ao ver cortada a árvore cuja flor foi capa de livro meu. Não só ela, mas dezenas, centenas de outras, à margem da estrada. Decepadas por questão de segurança. Sua morte decretou a vida de pessoas. Conformei-me pelas crianças e suas gargalhadas que, se não cuidadas, poderiam morrer antes da maturidade que, com o tempo, as mata por conveniências impostas.

Não, não mataram a poesia, apenas tornaram trafegar pela estrada mais seguro. A efêmera inspiração material sucumbiu às necessidades humanas; ficou sua essência, bem ou mal registrada em imagem e palavras: uma flor em forma de cabeça de vento.

O que mata a poesia não é o corte de sua inspiração, mesmo porque é impossível fazê-lo: se escondem a lua, a rua, o mar, a amada e a névoa da manhã, o poeta chafurda no lodo, se necessário for. Revolve as fossas, busca nos heroísmos e nas covardias dos cemitérios inspiração para suas palavras e na tempestade modelo para sua melodia. O que mata a poesia é a indiferença, que batizam com o nome de equilíbrio, e a crueldade, chamada de segurança. O que mata a poesia é o guardanapo amassado, repleto de lembranças e jogado na lixeira dos insensíveis.

O que mata a poesia não é a choça que fazem dos poetas, afinal, espelhos sempre incomodam, principalmente quando expõe dores e amores, e poetas, os verdadeiros, mesmo nem sempre bons, sabem disso e o aceitam. O que mata a poesia é a choça que fazem dela, não de seus escribas. O que mata a poesia é o olhar que lê, mas não olha, não bebe, o olhar que não permite que a poesia se retine.

O que mata a poesia não é a surdez de tímpanos rompidos, mas o silêncio dos tambores quando há tanto por anunciar. O que mata a poesia são os ouvidos que se recusam a ouvir o que não consideram materialmente útil, classificável, decifrável, lucrativo. O que mata a poesia é a valorização tagalerice desenfreada, é o medo de buscar a essência.

O que mata a poesia é a aridez de pensamento, a caridade seca, o discurso empolado. O que mata a poesia é a ausência.