Chegar

Wilson Correia*

Em instantes de partidas, de todas as idas possíveis, rumo a outras plagas, concentro-me no expediente prático que a operação exige. Faço sumir como que completamente qualquer expectativa com o vir-a-ser à minha frente. Ser partida é ver-se preenchido, até a tampa, dos atos, quase mecânicos, de juntar uma a uma as coisas na mala: uma meia vai pro lixo, o livro novo vai quase à mão, cada pertence forçadamente acomodado em bagagem, o apagar das lâmpadas e o gesto sempre insano de fechar a porta e depois tentar abri-la para ver se ficou realmente fechada. São atos crus, sem porquês. Com gente por perto vem os abraços, os desejos de sempre, os agradecimentos vários, as desculpas de praxe e o intragável enfado, mudo, tosco. O insólito pintando o quase fúnebre. Restos de cada um em cada um, o luto. Partir é sempre um gesto de bravura, para os fortes que aceitam os momentos da existência nos quais tudo a que podem recorrer é à fragilidade nonsense, irracional e absurda de que se incorpora. É igual com quem morreu: que o silêncio tenha a palavra. A mim me cabe fazer-me, inteiro, gesto de chegada: o contrário de toda a compulsoriedade implicada na bravata atitudinal que é o ato de partir. E que de outra maneira poderia ser?

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br