O DOM DE LÍNGUAS

Nossa incompreensão da natureza da língua tem ocasionado maior perda de tempo, de esforço e de gênio do que todos os outros enganos e ilusões que tem afligido a humanidade. Tem retardado, sem medida, o nosso conhecimento físico de toda classe e viciado aquilo que não poderia retardar.

É contristador o fato de que poucos, dentre nós, conseguimos vencer nossas lutas de infância com a gramática. Tanto nos obrigaram a sofrer, guardando regras de cor e aprendendo a língua de um modo mecânico e pouco imaginoso, que tendemos a considerar a gramática como a menos humana das disciplinas.

No entanto, nada é mais humano que a fala de um individuo ou de um povo. A linguagem humana, ao contrario do grito de um animal, não ocorre como mero elemento de uma resposta maior. Somente o homem pode comunicar idéias abstratas e conversar a respeito de situações contrarias à realidade. Na realidade, o elemento puramente convencional da fala é tão grande que a língua pode ser considerada como uma cultura pura.

Os dicionários dizem ainda que a “linguagem é um artifício para comunicar idéias”. Os semânticos e os antropólogos concordam em que esta é uma função minúscula e especializada da fala. Esta é, primeiramente, um instrumento de ação. O significado de uma palavra ou frase não é o seu equivalente dicionarizado, mas a diferença que o fato de pronunciá-la produz numa situação.

Forçado pela falta de materiais escritos e por outras circunstancias inerentes ao trabalho com “primitivos”, o antropólogo tornou-se um perito no “método direto”. Sabe aprender uma língua pelo emprego dessa língua. Embora sensível às implicações mais amplas de formas mais sutis e mais raras de uma língua, é hábil nas socialmente práticas. Sabe como escapar ao subjuntivo quando o objetivo imediato é fazer com que se verifique uma conversação.

A formação do professor de línguas, convencional, tenta-o ao incomodo pecado da preocupação com as delgadezas do idioma. Ama as regras complicadas e, ainda mais, as exceções dessas regras. Esta é uma das principais razões de, depois de oito anos de instrução em francês, um norte-americano ser capaz de ler com satisfação um romance francês, mas ficar aterrorizado ao perguntar em Paris pela direção de uma rua. O antropólogo não pode olhar as regras do livro. Está acostumado a cometer erros pequenos e grandes. Sua tradição é a de abrir caminho, de se concentrar no essencial, de prosseguir com a conversa a todo custo.

A ninguém surpreenderá o fato de que o inglês, língua do homem de ação, seja uma língua quase inteiramente monossilábica. Porque o homem de ação vive no presente e o presente é um instante, sem lugar para mais uma silaba. As palavras de mais de uma silaba chamam-se às vezes, palavras de dicionário, quer dizer, palavras de intelectual, de bicho de livraria, de demente, quase como se fossem palavras de não-inglês.

Uma língua é, em certo sentido, uma filosofia.

Créditos: texto inspirado na obra de CYDE KLUCKHOHN - Um Espelho para o Homem.

João Carlos da Silva
Enviado por João Carlos da Silva em 21/10/2009
Código do texto: T1879094
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