Cartas, não de amor, da Inglaterra

Em carta da Inglaterra datada de 2 de maio de 1895, Rui Barbosa faz um grande elogio à obra de Thomas Carlyle, dizendo: “parece confinar, por um lado, com Shakespeare, por outro com a Alemanha de Goethe, Schiller e João Paulo Richter”. Elogia a biografia de Cromwell escrita por Carlyle e comenta a vingança dos Stuarts, que mandaram exumar o cadáver de Cromwel do sarcófago de Westminster, enforcando-o e expondo-lhe a cabeça num poste; ainda segundo o beletrista, o gênio de Carlyle fixou definitivamente o juizo, a admiração e o reconhecimento dos ingleses ao grande Protetor; querendo dizer, devermos a Carlyle a redenção de Oliver Cromwell. Considera o livro de Carlyle, Revolução Francesa, o mais esplendido poema em prosa que jamais lera. A Edição que tenho da History of the French Revolution de Thomas Carlyle (1795-1881) é uma edição de 1961 com tradução e prefácio de Antonio Ruas (1), onde considera que “A característica principal de Carlyle é a de profeta. Por isso é obscuro nos seus pensamentos e na dimensão de suas idéias”. Imagine um escritor, ser obscuro em seus pensamentos e na dimensão de suas idéias. Apesar dos elogios de Rui Barbosa, Carlyle é apenas citado na 1ª edição do Dictionnaire Historique De La Revolution Française - Albert Soboul - Julho de 1989 (2) muito mais destaque foi dado a Friedrich von Schiller. No livro comemorativo dos 200 anos da RF, Albert Soboul cita, dentre outros clássicos, Michelet (1847-53), Alexis de Tocqueville (1856), A. Mathiez (1922-27), sem qualquer referência ao livro de Carlyle, que tanta emoção causou a Rui Barbosa. No ano em que Carlyle nasceu, foi estabelecido o primeiro Diretório na França, em substituição ao terror de Robespierre.

Tirei algumas conclusões da carta de Rui Barbosa, carta escrita com justa mágoa por estar fora de sua terra e hostilizado pelos que controlavam a política do Brasil; fiz algumas reflexões, vendo a distância que separa o intelectual sofisticado do homem comum; aquele que, como nós, nasce mal e cresce mal; quando não morre, alimenta-se mal e luta por um lugar ao sol, estudando com imensos sacrifícios. Aprendemos nos colégios a enaltecer a cultura daqueles, como Rui Barbosa, que tiveram formação sofisticada - “Meu pai, que era um liberal de educação política essencialmente ingleza, imprimio as suas sympathias na trama do meu tecido moral. Graças aos seus esforços, bem cedo me familiarizei com o idioma ainda hoje tão mal cultivado entre nós. Os livros francezes, que em geral constituem quasi exclusivamente o pão do espírito de nossa mocidade, não tiveram tal superioridade na formação da minha intelligencia”.(3) - Ai está: Rui não foi criado para ser brasileiro, mas inglês! (mantida a grafia original na citação das Cartas da Inglaterra).

1 História da Revolução Francesa – Thomas Carlyle – Tradução Antonio Ruas. 1961

2 Dictionnaire Historique de la Revolution Française. Albert Souboul –1989 - Edição comemorativa dos 200 anos da Revolução Francesa.

3 Cartas da Inglaterra- Ruy Barbosa.20 de Janeiro de 1896.