O que estou fazendo com o recheio do meu sanduíche?
 
Esta idéia me veio à mente, hoje, durante a tarde, enquanto assistia a apresentação do Grupo de Dança Corpo, da APAE de Arcos, MG. Foi durante a abertura da IV Semana do Livro e da Biblioteca da Universidade Federal de Lavras. O coreógrafo e bailarino Donizete Bernardes, ao explicar a origem do grupo, disse em palavras que não lembro as exatas, mas que significam a mesma coisa: “Quando compreendi que a gente nasce e morre, mas que a vida é o meio entre esses dois extremos, me perguntei o que estava fazendo desse meio. Larguei tudo e passei a me dedicar a esse grupo”.
Não vou descrever a beleza que foi o espetáculo desse Corpo de Baile que existe desde 2002. Nem vou falar da emoção que ele trouxe ao coração de todos, até dos mais empedernidos e envergonhados de mostrá-la. São coisas óbvias. Vou falar da idéia que passou pela minha cabeça no exato momento e que me levou a esta afirmativa altamente filosófica digna de figurar entre os guardados de nossa filósofa maior, a Zélia Freire: A vida é como um sanduíche: duas fatias de pão e o recheio entre elas. Daí me perguntei: que tipo de recheio estou colocando no meu sanduíche?
Uma manhã dessas, em que a gente não está realmente triste, mas fica triste porque vai se despedir de uma amiga muito querida, porque ela completou o recheio de seu sanduíche, estando ali, sentada ao lado de sua filha, fiquei pensando na vida dessa mulher: educadora, pianista, mãe de três filhos adotivos, tendo visto a quarta morrer debaixo de rodas traiçoeiras, fina e elegante e que até o ano passado não perdia nenhum dos eventos culturais da cidade. Estava completamente submersa em meu mundo de lembranças quando alguém se sentou ao meu lado e me retirou dessa abstração: “Vi você na Televisão ontem”. Eu sempre apareço nas TVs locais divulgando eventos e então apenas olhei para ela, que continuou: “Você fez plástica?”. Como neguei, ela continuou: “Botox?Face à nova negativa ela me perguntou o que eu fazia então, para não envelhecer. Ri e pensei em duas respostas, mas só disse Nada, sorrindo, e saí dali para evitar novos papos impróprios frente à morte. As respostas que não dei? Simples - eu poderia ter dito que sou gordinha e que as gordinhas conseguem enganar as rugas ou, mais simples ainda: Vivi.
Não me importei com o elogio às avessas, afinal o que ela estava era me chamando de velha, mas hoje voltei a pensar nesse episódio ao refletir sobre a vida nada mais é do que um sanduíche.
Eu não acredito em destino nem em sorte. Acho que destino e sorte é a gente que faz. Acredito em causa e consequência, um encadeamento constante que ultrapassa as barreiras do tempo. E, nessa linha de tempo, a vida nada mais é que um período entre datas, que marca o nascimento e a morte. O recheio do sanduíche. As conseqüências que trazemos de outras vidas fazem de nós o que somos. E, a cada período, temos oportunidade de fazer um sanduíche melhor. Liberdade de escolha para colocar os ingredientes.
Mas, o que é isso tem a ver com as perguntas que me foram feitas?Simples. Eu sou o que vivo. Hoje e através dos tempos. O que fazemos, queiramos ou não, se reflete principalmente em nosso rosto. E se o meu não tem tantas rugas quanto deveria ter é porque eu gosto tanto de viver que não tive tempo para envelhecer. E esse é o recheio do meu sanduíche - o amor e a alegria de estar e de se sentir viva e aqui e agora,são os principais  ingredientes  e é esse recheio que me faz ser quem sou e como sou.